Crianças, adolescentes e adultos, todos com garrafas plásticas na mão. Eles cheiram o gargalo, mas nunca bebem do líquido transparente. De vez em quando, molham um pedaço de pano e dão uma inalada prolongada. Quem pensa que eles estão matando a sede se engana. Não é água, é tíner, um removedor de tintas e vernizes com efeitos alucinógenos e que põe em risco a saúde não só de quem usa, mas também a segurança de milhares de pessoas que passam diariamente pela Praça Hugo Werneck, na região hospitalar de Belo Horizonte. O uso do solvente deixa os jovens atordoados e eles furtam e se prostituem em plena luz do dia na praça para manter o vício. À noite a situação piora, com tráfico e consumo aberto de crack e mais assaltos.
Na tarde de ontem, o Estado de Minas acompanhou a venda de tíner no local, embora a venda seja proibida para menores de 18 anos por conter substâncias altamente tóxicas. Dois adultos, que também cheiram o tempo todo, abastecem os menores, que ficam mais atordoados a cada inalada. “Não me sinto segura. Se a praça já é perigosa durante o dia, à noite não passo nem rezando com um terço na mão”, disse a aposentada Célia Maria Siqueira, de 53, que acompanhava a movimentação dos menores de um ponto de ônibus, com medo de assalto, agarrada à sua bolsa. Sua maior preocupação é com as pessoas do interior que buscam tratamento médico na região hospitalar. “Não sabem da situação e são as maiores vítimas de assalto”, disse. Um menor de camisa vermelha e outro de camisa verde se aproximam da aposentada e ela corre aliviada para o ônibus que acaba de chegar. Uma menina se junta aos garotos e eles percorrem a praça de um lado para o outro, como se procurassem alguém.
AMEAÇAS E ATAQUES
O presidente do Conselho Comunitário de Segurança Pública da região, Daniel Nasser, coleciona imagens de violência e de uso de drogas envolvendo os menores. “A situação é de extremo risco social. Os menores convivem com adultos marginalizados e ficam expostos às drogas, como o tíner, que legalmente não é considerado droga. Crianças e adolescentes praticam pequenos delitos”, disse.
O consumo de crack é escancarado à noite, segundo Daniel, que acompanha tudo pelas câmeras de segurança do seu local de trabalho. “Sempre aparece um adulto, que nunca permanece na praça. Chega, faz a distribuição de drogas e vai embora”, disse o presidente do Consep, que vem sofrendo retaliações. Recentemente, um menor furtou a câmera de segurança do prédio e Daniel foi atrás com outros dois funcionários da empresa para recuperar o equipamento. “Fomos perseguidos pelo grupo e atacados com pedradas e pauladas. Quebraram a nossa vidraça”, conta Daniel, que chamou a polícia.
Ele se dispôs a registrar queixa e acompanha até hoje o andamento do caso. “O garoto está recolhido há 40 dias numa instituição”, disse. Entre as imagens gravadas, um grupo de sete menores se amontoa na entrada de um hotel para usar drogas. Há cenas de sexo e de uso da praça como banheiro público.
À noite, veículos são arrombados, segundo os comerciantes. Blocos intercalados são retirados do piso da praça para quebrar os vidros dos carros. O mesmo material serve de arma quando há brigas entre os jovens. Pelo menos 15 adultos e crianças usam a calçada de um hotel como dormitório. Na tentativa de afastá-los, os funcionários jogam água e cloro no chão.
O setor de autoatendimento de uma agência bancária também serve de dormitório e banheiro. Já teve os vidros quebrados diversas vezes. A porta de vidro, que fecha automaticamente às 22h, é travada pelos menores. Segundo os comerciantes, eles também entram em bando nos supermercados para furtar. “Todo mundo está sendo obrigado a contratar segurança particular”, disse Daniel. “O movimento no comércio caiu e ninguém mais procura as agências bancárias da praça”, reclama um comerciante.