Ipatinga – Nem a presença no Vale do Aço de uma força-tarefa da Polícia Civil de Belo Horizonte, com reforço de quatro delegados, 10 investigadores e três escrivães, foi capaz de frear as afrontas dos criminosos que já assassinaram dois jornalistas na região e que estariam ligados a policiaisA ex-namorada do fotógrafo Walgney Assis Carvalho, de 43 anos, executado no domingo, em Coronel Fabriciano, recebeu ameaça anônima por telefone na manhã de ontemEla disse ao Estado de Minas que pediu segurança à polícia e que pretende deixar a cidade o mais rápido possível, para não se tornar mais uma vítimaSegundo a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa, há pelo menos 20 policiais envolvidos em mais de 21 homicídios, denunciados pelo repórter do Jornal Vale do Aço Rodrigo Neto, morto em 7 de março, e pelo colega, o fotógrafo Walgney Carvalho.
Para que a equipe do EM conversasse com a ex-namorada do fotógrafo, logo depois da ameaça e apenas três dias depois do assassinato dele, foram necessárias muitas articulações e garantias a pessoas que a conhecem, para assegurar que não se tratava de uma ação ligada a policiais, nem de uma emboscadaPor volta das 15h30 de ontem, finalmente houve contato com ela, que namorou o repórter-fotográfico por um anoOs dois estavam separados havia um mês, mas ainda se encontravamEnquanto empacotava suas coisas, a mulher disse estar apavorada e sem saber a quem recorrer.
A jovem contou que, por volta das 9h de ontem, seu celular tocou e um número não identificado apareceuEla disse que atendeu sem muita preocupação“Uma voz rouca, muito agressiva, me disse, bem devagar: ‘Você é a namorada do Walgney’.” O que se seguiu a essa frase, segundo ela, foi um silêncio perturbador do outro lado da linha e um pânico paralisante que tomou conta de seu corpo“Isso é uma mensagem direta para mimDe que sabem quem sou, onde estou e que podem me achar
Ao procurar proteção policial, ela contou ter sido orientada a não atender a nenhum telefonema mais e a reunir suas coisas para ir emboraContudo, diante das denúncias feitas por outras vítimas, que não resultaram em segurança, ela resolveu procurar também outras formas de se proteger“Estávamos terminados, mas éramos amigosEle foi chorar a morte do Rodrigo comigo, mas não falou nada que pudesse apontar para algum suspeito, nem nada que mostrasse que estava preocupado com a própria vida.”
A reportagem do EM procurou jornalistas e policiais que conheceram a carreira de Walgney e até no Comitê Rodrigo Neto – criado pela imprensa do Vale do Aço para acompanhar as investigaçõesSegundo os integrantes, há medo de que se descaracterize a morte do fotógrafo, por causa de seu envolvimento com ações policiais“O Walgney tinha um envolvimento estrito com policiais militares e civisNão apenas profissional, mas também de outros tipos, digamos, paralelos”, disse um jornalista íntimo dos dois“Ele seguia dentro dos rabecões para fazer fotos dos homicídios e acidentesMais do que isso, agia como se fosse da Polícia Civil”, descreve um dos membros do comitê
“Quando o perito faltava, ele mesmo tirava fotos, fazia medições nas cenas de crimes e registrava os laudos”, revela outra fonte do comitê“O que tememos é dizerem que o Walgney foi morto por estar envolvido com a polícia, quando sabemos que morreu por seu envolvimento com o Rodrigo”, diz outro membro do grupo.
As polícias Civil e Militar de Ipatinga foram procuradas para comentar as novas ameaças contra pessoas relacionadas às vítimas, mas se limitaram a informar que nenhum dado sobre a investigação seria repassado à imprensa.
Impunidade
Mais de 20 anos de assassinatos e afrontas à lei impunes vinham sendo denunciados pelo repórter Rodrigo Neto, de 38 anos, executado em 8 de marçoSeu colega de trabalho, o fotógrafo Walgney Assis Carvalho, de 43, foi morto 37 dias depoisAs suspeitas recaem sobre um esquadrão de extermínio formado por policiais militares e civisAntes dos dois últimos assassinatos, havia cinco profissionais de jornais e rádios sediados em Ipatinga especializados na cobertura policialDos três sobreviventes, dois estão sob ameaça, enquanto o outro pediu demissão e fugiu da cidade sem deixar rastro.
O presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa, deputado Durval Ângelo (PT) confirmou ontem que foi procurado por dois jornalistas do Vale do Aço pedindo proteçãoA requisição será encaminhada à Secretaria de Estado de Defesa SocialO deputado chamou atenção para o fato de juízes do Vale do Aço não terem concedido nenhuma prisão preventiva a policiais acusados de envolvimento com o crime organizado“Há juízes que têm medo dos policiais; outros são escoltados pelos próprios denunciados”, afirmou.
A Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR) vai avaliar os riscos a que estão submetidos outros dois jornalistas do Vale do Aço, que podem ser incluídos no Programa Nacional de Proteção a Vítimas e Testemunhas (Provita)Em nota divulgada ontem, o Grupo de Trabalho sobre Direitos Humanos dos Profissionais de Comunicação no Brasil, órgão do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH), além de repudiar a violência contra profissionais de comunicação na região, requisitou à secretaria proteção para os dois que estariam sendo alvo de ameaçasA Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) cobrou, por meio de nota, uma postura mais enérgica "diante deste cenário de crescente impunidade e violência contra os profissionais de jornalismo no Brasil"O governador Antonio Anastasia reiterou o empenho em esclarecer os crimes contra jornalistas na região.