Jornal Estado de Minas

Aulas em janeiro e férias na Copa

Escolas particulares querem antecipar calendário por conta da Copa no Brasil

Objetivo é atender lei que estabelece recesso durante o Mundial e cumprir os 200 dias letivos exigidos pelo MEC

Junia Oliveira Jaqueline Mendes
Pelo menos na sala de aula, a máxima de que a vida no Brasil só começa depois do carnaval pode cair por terra em 2014
E, desta vez, por causa da Copa do MundoPara atender a exigência de 200 dias letivos da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), as escolas da rede privada de Minas Gerais pretendem fazer algo inédito: antecipar o início das aulas para janeiroEssa é a saída encontrada para cumprir o artigo 64 da Lei Geral da Copa, segundo o qual os estabelecimentos de ensino públicos e particulares deverão estar de férias entre 12 de junho e 13 de julho, período em que será realizado o MundialPara uma parte dos estudantes, os jogos sacrificarão a vida escolar já a partir deste ano, em junho, durante a Copa das ConfederaçõesNão haverá aulas nas escolas das redes estadual e municipal de Belo Horizonte quando os jogadores entrarem em campo no Mineirão, apesar de o estádio abrigar, em dias úteis, apenas um jogo de pouco apelo e uma semifinal.

Uma reunião prevista para o início do mês que vem deve bater o martelo sobre o calendário de 2014 nas instituições privadas no estadoSegundo o presidente do Sindicato das Escolas Particulares de Minas Gerais (Sinep-MG), Emiro Barbini, a proposta é começar as aulas por volta de 20 de janeiro, cerca de 15 dias antes do que ocorre normalmenteParte das férias de verão seria tomada para compensar o recesso do meio do anoO calendário está sendo discutido com o Sindicato dos Professores do Estado de Minas Gerais (Sinpro)“Queremos resolver juntos essa situação em respeito também a professores e pais de alunos que programam suas férias, planejam, fecham pacote de viagem, para não haver transtorno para ninguém”, afirma Barbini.

A determinação altera totalmente o calendário escolar, que tem em julho apenas um recesso de 15 dias, deixando as férias exclusivamente para janeiroO Ministério da Educação (MEC) homologou, no dia 19 do mês passado, no Diário Oficial da União (DOU), parecer do Conselho Nacional de Educação (CNE) segundo o qual cada rede de ensino tem autonomia para ajustar seu calendário, principalmente nas cidades que sediarão as partidas


O CNE entende que a Lei Geral da Copa (12.663/2012) não pode se sobrepor à LDB (9.394/1996)Então, embora a primeira estabeleça as férias em julho, é preciso cumprir à risca a LDB, que determina 200 dias letivosMas o parecer é contraditório e ainda gera dúvidas ao estabelecer que os ajustes nos calendários escolares em locais que sediarem o Mundial devem estar em conformidade com a Lei da Copa.

O presidente do Sinep considera que a Lei da Copa extrapola ao interferir no calendário escolar“É uma medida muito extrema para situações pontuaisConcordamos em decretar feriado nos dias de jogos importantes ou da SeleçãoMas não faz sentido fazer generalizado, sendo que na maioria das cidades nem haverá partidas”, dizPara Emiro Barbini, o ideal é que cada município seja livre para montar seu calendário: “BH é um exemploNo Mineirão cabem apenas 62 mil torcedoresÉ muito pouco para um estado inteiroÉ parar tudo por poucos”.

Na rede pública, a situação ainda está indefinida
As secretarias de Estado de Educação (SEE) e Municipal de Educação (Smed) informaram que ainda vão definir o cumprimento dos 200 dias escolares em 2014

Confederações

As redes de ensino estão ajustando o calendário também por causa da Copa das Confederações, entre 15 e 30 de junho deste anoBH vai sediar três partidasNo dia 17 entram em campo Taiti e NigériaNo dia 22, Japão e MéxicoO jogo mais importante é a semifinal, na qual o Brasil poderá marcar presençaNas escolas particulares, a ordem é ter aulas normalmente“Como são jogos inexpressivos, achamos que seria perda de tempo deixar os estudantes sem aulasO país precisa de seriedade na área de educaçãoNão desqualificando os países, mas achamos que futebol não é tudo”, ressalta Emiro Barbini, do Sinep

Na instituições estaduais e municipais, a Resolução 2.223 (da SEE) e a Portaria 162 (da Smed), ambas publicadas em dezembro do ano passado, determinam que não haverá atividades letivas nos dias 17 e 26Esses dois dias deverão ser repostosA secretaria municipal informou que a maioria das escolas da rede já apresentou o calendário de reposição, que normalmente vai ocorrer aos sábados

Pais e alunos reclamam

Na saída da Escola Estadual Milton Campos, o Estadual Central, João Evangelista Júnior, de 16 anos, aluno do primeiro ano, entre amigos de sala, comenta o imbróglio provocado pela Lei da Copa“É ruim, né, ‘véi’? Não tem nada a ver misturar os jogos com a escolaVai pegar um pedaço das férias ou ter mais aula no sábado… não é bom”, consideraEm coro, os colegas contestam: “Que isso, ‘véi’? É bom pra poder ver o jogo”João reafirma a opinião: “Vai ter que repor e vai ser pior”

O estudante tenta convencer os amigos Luís e Marcelo de que perder as férias com os pais por causa da Copa não é bom negócioO pai, João Evangelista, de 49, e a mãe, Ana Maria, de 46, já se programaram para o recesso na companhia do filho em janeiroA propósito da Copa das Confederações, o estudante do Estadual Central diz ser “bobagem” alterar o calendário“Nem é uma competição importante assimE o Brasil nem está com essa bola toda”, critica.

Luís Augusto Borges, de 15, torcedor apaixonado do Atlético, acha que é válido o recesso nos dias de jogos do Brasil“Só da SeleçãoAcho bom, porque quem é que vai conseguir prestar atenção à aula?”Contudo, o aluno do ensino médio não está disposto a perder parte do verão com os primos na casa da avó em Espera Feliz, na Zona da Mata, por causa do Mundial

Para Lucas Saraiva, de 29, que tem um filho de 9 anos, estudante da rede particular de ensino, as duas competições não têm relevância para mudar a rotina escolar e interferir no planejamento das famílias“Não vejo com bons olhos essas mudanças porque, independentemente de qualquer evento esportivo, o país tem que continuar”, considera.

O presidente do Sinpro, Gilson Reis, nega a antecipação do início do ano letivo em 2014Na avaliação dele, o parecer do CNE, na verdade, esclarece a confusão que a Lei da Copa trouxe às instituições de ensino de todo o país“Durante o Mundial, nos dias de jogos do Brasil vai ser feriado e a reposição será como sempre foi”, afirmaPara ele, não há a menor possibilidade de que as férias de janeiro sejam comprometidas pela Copa.

Palavra de especialista

Geraldo Junio dos Santos, diretor do Colégio Arnaldo

Situação contraditória

“Escolas que decidirem funcionar no período da Copa não estarão erradas e têm embasamento legal para discutir isso na Justiça, pois o parecer do CNE estabelece que as redes de ensino têm autonomia para decidir e que a Lei Geral da Copa não pode se sobrepor à LDBMas a situação ainda é contraditória, uma vez que uma lei não revoga a outraDo ponto de vista pedagógico, o melhor é começar o ano letivo mais cedoTeríamos um mês de aula antes do carnaval, diferentemente de outros anos, quando começamos depoisEvitamos, assim, a fragmentação das aulas, que teriam de ser interrompidas em dias de jogos da Seleção, por exemplo, e, consequentemente, um projeto pedagógico mancoAs escolas são favoráveis a essa antecipação, porque as aulas não funcionam direito na Copa do MundoE se não abrirmos mão das férias de janeiro, teremos reposições aos sábados, o que também não rende”