Ouro Preto – A casa da Rua Conselheiro Quintiliano, antiga Rua das Lajes, tem 300 anos e é tão antiga quanto Vila Rica, nome primitivo da cidade que é patrimônio cultural da humanidade, título concedido pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco). Ali nasceu e foi criado Francisco de Paula Mendes, de 81 anos, solteiro, o Tito, grande conhecedor das histórias e lendas de Ouro Preto. “O alicerce é todo de pedra, meu pai comprou a residência em 1902”, gaba-se Tito, contemplando ao longe, da janela da sala, a Igreja de Santa Efigênia, construída pelos escravos no século 18. Simpático ao apresentar os cômodos e o quintal, Tito vai se lembrando de seus episódios preferidos. O sumiço da cabeça de Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes (1746-1792), é um deles. “Desde pequeno, ouço dizerem que ela foi enterrada aqui. Já cavaquei o terreno todo e nunca encontrei nada”, revela o aposentado ainda com esperança de achar vestígios do herói da Inconfidência Mineira, de quem até hoje não se sabe a verdadeira face, passados 221 de sua morte.
O relógio ainda não marcava 7h, na quarta-feira, quando Tito, enxada no ombro, desceu a escada e foi ao quintal. “Tenho uma pequena horta, cultivo cebolinha, quiabo, abóbora, plantas para fazer chá... Veja os pés de goiabeira! Estou sempre mexendo na terra”, afirma o ex-empregado do setor de mineração e da prefeitura. Mais uma vez, como ocorre há décadas, o homem de porte franzino capina e remexe o terreiro. Mais uma vez, nenhum osso surgiu. Só raízes e tocos. “Minha porta vive cheia de visitantes, não é de hoje que os cicerones (guias) tocam a campainha como se este lugar fosse turístico. Há muitos casos envolvendo Tiradentes. Dizem que a cabeça teria sido colocada numa caixa de couro e enterrada. Ouro Preto é uma cidade cheia de lendas”, revela, com um sorriso enigmático.
Autor do livro A Inconfidência Mineira: uma síntese factual, e integrante do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais, Márcio Jardim explica que não há qualquer prova sobre a localização da cabeça de Joaquim José da Silva Xavier. “O corpo foi dividido em quatro partes: o tronco em duas, e as pernas. A ordem era que a cabeça ficasse fincada no alto de um poste, no centro da praça principal de Vila Rica, até que o tempo a consumisse.” Há registro de que a cabeça ainda estava no local, sob o olhar público, quando houve uma “cerimônia de regozijo” pelo fracasso do movimento inconfidente, na sala da Câmara – na época, os vereadores ocupavam uma sala no segundo andar do prédio, ainda em construção, do atual Museu da Inconfidência.
“Não se sabe ao certo quanto tempo a cabeça teria ficado no lugar”, explica o historiador, que dá algumas pistas. “Naqueles tempos, deixar um cadáver insepulto era uma calamidade, algo contra a humanidade. Havia muitos padres em Vila Rica e pode ser que eles tenham sepultado a cabeça do mártir. Outra possibilidade é que algum piedoso tenha retirado a cabeça de Tiradentes, então da irmandade da Santa Casa de Misericórdia. Mas não há nada de certo sobre isso”, destaca Jardim.