Jornal Estado de Minas

Os herdeiros de Tiradentes

Conheça a história dos irmãos que reivindicam o título de parentes do mártir Tiradentes

Eles tentam provar que linhagem descende do único filho do herói, que fugiu com a mãe da ira da Coroa

  Os Tiradentes de Bom despacho: assentados, da esquerda para a direita, maria do carmo, José Maria, Maria José e JOsé fausto, com filhos e netos, buscam reconhecimento como descendentes do mártir - Foto: Paulo Filgueiras/Em/D.a Press


Bom Despacho, Quartel Geral e Martinho Campos – O sobrenome dos irmãos José Maria, José Fausto, Maria do Carmo e Maria José aguça a curiosidade de muitos moradores de Bom Despacho, no Centro-Oeste mineiro, a 160 quilômetros de Belo HorizonteQuem estiver disposto a escutar a história da família Tiradentes, em uma prosa regada a café e pão de queijo, ouvirá dos orgulhosos irmãos: “Somos filhos de Orozimbo Pedro Luís, netos de Belchiorina Augusta Cesarina, bisnetos de Belchior Beltrão de Almeida, trinetos de João de Almeida Beltrão e tetranetos de Joaquim José da Silva Xavier, o maior herói do país”Linhagem que pode garantir a eles uma pensão vitalícia de cerca de dois salários mínimos mensais (R$ 1.356).

“O valor é simbólicoO que meus clientes querem é o reconhecimento do governo”, sustenta o advogado da família, Leonardo Gontijo AzevedoPara isso, ele tentará convencer a bancada mineira no Congresso a propor um projeto de lei beneficiando a famíliaA segunda estratégia será estudar a viabilidade de uma ação na JustiçaOito descendentes do mártir da Inconfidência Mineira, cuja memória é celebrada hoje, já conseguiram esse reconhecimentoPara eles, o benefício começou a ser pago no governo militarEm 1969, para reforçar a imagem da pátria, a União localizou três trinetos do mártir, todos primos de segundo grau dos Tiradentes de Bom Despacho, e os premiou com a pensãoDe lá para cá, alegando equidade e isonomia, mais cinco integrantes da árvore genealógica do alferes conseguiram o mesmo

Dos oito pensionistas que já conseguiram o feito, apenas uma descendente, que hoje mora em Brasília, está viva

Os demais residiam no Oeste de Minas, onde o mártir talvez jamais tenha colocado os pés, pois a principal missão do alferes (cargo abaixo do de tenente na hierarquia militar) era policiar parte da Estrada Real, de Ouro Preto ao Rio de JaneiroO mártir teve muitas amantes nesse trechoEle não se casou, mas deixou uma filha e um filhoO garoto, João, foi fruto do romance com dona Eugênia Joaquina da Silva, que deixou Vila Rica e se mudou com a criança para Quartel Geral, hoje com 3,5 mil moradores, a 100 quilômetros de Bom Despacho.

Muita gente se pergunta o porquê de Eugênia trocar Vila Rica, então capital da província das Gerais, por um lugarejo menos promissorA resposta está na sentença que condenou o alferesO texto, assinado pela rainha dona Maria I, considerou “infames” filhos e netos de Joaquim José da Silva XavierSentença de natureza impensável nos dias atuais, pois a individualização da pena é um princípio do direito criminal, mas foi considerada pela Coroa portuguesa exemplar para a época.

 “Seja conduzido (Tiradentes) pelas ruas públicas ao lugar da forca e nella morra morte natural para sempre (…)Declaram o réu infame, e seus filhos e netos, tendo-os, e os seus bens applicam para o Fisco e Câmara Real, e a casa em que vivia em Villa Rica será arrasada e salgada, para que nunca mais no chão se edifique (…).” Na prática, o infame perdia o direito de herança e sofria outras restrições.
Pesquisadores sustentam a tese de que aliados do mártir orquestraram um plano audacioso para preservar o meninoMãe e filho foram levados para Quartel Geral, a 300 quilômetros de Vila Rica, e um amigo do alferes, Luiz de Almeida Beltrão, assumiu a paternidade do garoto, registrando-o como João Almeida Beltrão, para evitar vestígios de sua ascendência“Esse amigo também era de espada (guarda) e servia em Quartel Geral (onde o regimento era preciso) em razão da exploração de diamantes”, explica Adalberto Guimarães Menezes, integrante do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais (IHGMG), onde ocupa a cadeira cujo patrono é Tiradentes.

Árvore genealógica

Embora haja pesquisadores que considerem a história fantasiosa, os que a defendem se baseiam em um documento encontrado em Martinho Campos, a 40 quilômetros de Bom Despacho e a 50 quilômetros de Quartel Geral
Trata-se da certidão de óbito de um curandeiro batizado de Belchior, que viveu em Ibitira, povoado de Martinho Campos, e que é tido como filho de João, o herdeiro do mártir“Belchior morreu, aos 100 anos, em 1925No rodapé da certidão de óbito dele consta que era neto de Tiradentes”, informa o pesquisador e escritor Orlando Ferreira de Freitas, que estuda a árvore genealógica das famílias da região há mais de 20 anos.

A certidão de óbito de Belchior foi uma das provas usadas pelo governo federal para conceder a pensão a descendentes do alferesO nome completo dele era Belchior Beltrão de Almeida TiradentesDepois de instaurada a República, em 1889, pesquisadores dizem que familiares do mártir no Oeste mineiro adotaram o apelido do herói como sobrenome, pois o fim do Império afastou qualquer possibilidade de perseguição à linhagemA certidão de óbito de Belchior é o documento mais antigo encontrado com o sobrenome TiradentesO curandeiro era avô do pai dos irmãos de Bom Despacho: José Maria, José Fausto, Maria do Carmo e Maria José.