Quartel Geral e Pitangui – Considerado o maior mistério da história brasileira, o sumiço da cabeça de Tiradentes também povoa a imaginação de moradores de um lugarejo de 3,5 mil habiantes, a 300 quilômetros da antiga Vila Rica. Em Quartel Geral, no Centro-Oeste de Minas, para onde fugiram a amante do alferes, dona Eugênia Joaquina da Silva, e João, o filho do casal, parte da população acredita que o crânio do mártir foi enterrado no lado Norte da lagoa que é cartão-postal do município.
A lenda caiu na boca do povo depois que um calhamaço foi encontrado, na metade do século passado, durante a reforma de um casarão colonial de Pitangui, a 100 quilômetros de Quartel Geral. Ninguém sabe onde a papelada foi parar, mas muita gente diz que o material era composto de cerca de 100 páginas, amareladas pelo tempo, com o título “Memórias de um camarista (vereador) pitanguiense sobre o povoamento dos sertões diamantíferos do Indaiá e do Abaeté”.
O material despertou a atenção de um historiador, que o comprou do dono do imóvel restaurado. As folhas estavam bastante desgastadas, o que não permitiu a leitura de todo o conteúdo. Mas algumas páginas relatavam um caso curioso: o próprio camarista e um padre de Pitangui teriam sido os responsáveis por furtar a cabeça de Tiradentes. A dupla teria planejado uma operação arriscada para conduzir o resto mortal do alferes de Vila Rica a Quartel Geral.
“Aprendi a história ainda pequeno. A cabeça está lá, na beirada da lagoa”, aponta o advogado Sebastião Caetano de Andrade, de 64 anos. Próximo ao espelho d’água há a Praça da Matriz, onde foi erguida a Igreja do Divino Espírito Santo. O templo foi construído no terreno doado pela amante de Tiradentes, dona Eugênia. Diante da igreja, na Casa de Cultura, um cartaz escrito à mão destaca a passagem de mãe e filho pelo antigo arraial.
A lenda de que a cabeça do alferes está enterrada às margens da lagoa seduziu escritores da região. “Há um livro de crônicas de Rubens Fiúza, natural de Dores do Indaiá, que trata do assunto. A narrativa associa o suposto furto da cabeça a personagens que povoam o imaginário dos moradores do Oeste mineiro, como o capitão Inácio de Oliveira Campos, marido da matriarca Joaquina de Pompéu. Fiúza afirma que essa história seria baseada em documentos de sua família. Porém, não há vestígios desses papéis. Para mim, a ausência de fontes primárias dá à obra o caráter de ficção”, diz o historiador Licínio de Sousa e Silva Filho.
Titular da cadeira do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais (IHGMG) cujo patrono é o alferes, Adalberto Guimarães Menezes, um tenente-coronel da reserva do Exército, acha graça nas lendas sobre a cabeça do mártir. Natural de Luz, cidade próxima a Quartel Geral e a Bom Despacho, ele faz questão de dizer que, “até hoje, não há nada sobre a localização do resto mortal que mereça crédito”.
Seu colega de entidade, o presidente benemérito do IHGMG, Herbert Sardinha, destaca que o assunto já foi discutido a fundo: “Tenho duas ceretezas. Primeira: a cabeça não foi retirada (da Praça Santa Quitéria) por apenas uma pessoa. Segunda: o sumiço da cabeça é o maior mistério da história brasileira”.
O segundo sumiço da relíquia
Pode soar estranho, mas a cabeça de Tiradentes foi furtada duas vezes. E os autores da última ação são conhecidos e estão vivos. Trata-se dos artistas plásticos José Efigênio Pinto Coelho e Gelcio Fortes. O “crime” deles foi cometido em 1992, na madrugada anterior à cerimônia de 200 anos da morte do mártir. Para celebrar a data, o governo de Minas encomendou uma réplica da cabeça do herói. Pesava 30 quilos e, tal qual a original, foi colocada em uma gaiola sobre um grande mastro.
A cerimônia havia saído como o planejado, com as homenagens ao herói. Por volta das 5h, porém, quando a praça estava vazia, Efiênio e Gelcio, que haviam passado a madrugada rodando bares da cidade, se depararam com a réplica. “Então, eu disse ao Gelcio que, conforme a história, a cabeça não poderia amanhecer na gaiola. Retiramos a réplica de lá e a enterramos no meu quintal”, conta Efigênio.
A audácia da dupla foi descoberta poucas horas depois, pois uma testemunha flagrou a ação e acionou a PM. “Acordei com a polícia em minha casa. Fomos levados para a delegacia com a prova do crime. Recebemos voz de prisão e a notícia se espalhou pela cidade. Muita gente foi à delegacia, mas para nos apoiar. Houve quem dissesse ao delegado que nosso ‘crime’ fazia parte (da cerimônia)”, recorda Efigênio. Diante do clamor, os artistas plásticos foram liberados. E viraram heróis no município.