Jornal Estado de Minas

Índice de analfabetismo em BH é maior entre os deficientes auditivos, mostra IBGE

Cidade adota o ensino inclusivo, mesclando alunos surdos e ouvintes na mesma sala. Preconceito é outro grave problema

Valquiria Lopes

Uma população com maior dificuldade de aprendizado

É o que mostram os números do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) sobre a alfabetização de pessoas com deficiência auditiva em Belo HorizonteEnquanto 10,8% dos surdos são analfabetos, a taxa cai para 3,8% entre a população ouvinteO índice é maior que o do estado (8,8%) e semelhante ao do Brasil, onde chega a 10,9%Para a demógrafa do IBGE Luciene Longo, os dados da capital retratam os desafios dos surdos para aprender a leitura e a escrita de uma língua que não é própria a eles, o português, já que a Libras é seu idioma oficial"Pode estar relacionado ainda à dificuldade de acesso a escolas inclusivas, com recurso para alfabetizar de forma adequada", avalia a demógrafaOutro problema que prejudica o aprendizado é o preconceito na sala de aula, como enfrentou uma aluna.

BH tem hoje cerca de 450 alunos surdos na escolaDos 168 mil matriculados na rede municipal, 261 têm deficiência auditiva e estudam desde a educação infantil até a Educação de Jovens e Adultos (EJA)Eles estão presentes em 32 das 257 escolas que integram o sistema do municípioJá na rede estadual, 53 das 234 unidades escolares da capital têm surdos matriculadosAo todo, eles somam 196 alunos com deficiência auditiva na rede do estado
Em Minas, são cerca de 2,3 mil atendidos por aproximadamente 1,3 mil professores intérpretes de Libras.

A rede municipal trabalha com a perspectiva inclusiva que coloca alunos surdos e ouvintes na mesma turmaSomente em cinco escolas existe um projeto para agregar apenas alunos surdos e promover a troca maior de experiência entre elesA decisão de matricular o filho nessa unidade fica a cargo dos pais Segundo a coordenadora do Núcleo de Inclusão Escolar da Secretaria Municipal de Educação (Smed), Patrícia Cunha, todas as unidades que recebem matrículas de alunos com deficiência auditiva contam com profissionais especializados para atendimento ao surdoEm BH, são 18 instrutores e 27 intérpretes na rede municipalSobre a dificuldade de aprendizado, Patrícia pondera: "O português é um desafio enorme para a criança surda, que usa outra língua para se comunicar e que pensa em outra língua, a Libras".

A diretora de educação especial da Secretaria de Estado de Educação, Ana Regina de Carvalho, explica que a rede estadual trabalha com as duas metodologias de ensino: escolas inclusivas – com alunos surdos e ouvintes juntos – e as unidades com ensino específico para deficientes auditivosNo primeiro caso há professores de conteúdos curriculares que trabalham auxiliados por outros com formação em LibrasNa especializada, o professor ensina os conteúdos para os surdos na Língua Brasileira de Sinais.

ENSINO BILÍNGUE A oferta de escolas bilíngues, com o ensino de Libras universalizado, é uma das cobranças do diretor do Instituto Nacional de Educação de Surdos (Ines) do Rio de JaneiroEm palestra na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) na quarta-feira, ele defendeu a ampliação das políticas públicas para atendimento ao surdo.

"Os surdos estão se desenvolvendo, se profissionalizando como qualquer outra pessoa que ouvePortanto, eles precisam de oportunidades iguais no mercado de trabalho, na educação, na saúde

Uma das saídas seria difundir mais o ensino da Libras nas escolas", alertaEm BH, no entanto, as duas secretarias de educação ainda não têm projeto para dispor de intérpretes em todas as escolas.

Para a estudante BCF, de 13 anos, surda desde 1 ano, o ensino da sua língua foi fundamental para o início da aprendizagem"Até os 9 anos estudei em escolas com ouvintes e não gostava porque algumas não tinham intérpretes e em outras o professor ficava de costasEu não conseguia aprender nada", lembraEla conta ainda que era vítima de preconceito, porque colegas faziam chacotas pelo fato de ser surdaHoje, estudando na Escola Estadual Francisco Sales, no Barro Preto, Região Centro-Sul de BH, diz ser mais feliz em uma sala de aula somente com surdos"Faço fonoaudiologia aqui e melhorei minha falaConsigo aprender e melhorei a sinalização da Libras", diz.