Jornal Estado de Minas

Mineira entra para o seleto grupo de pessoas que ultrapassam 11 décadas

Dona Josefina completou 111 anos. Natural de Rio Espera, na Zona da Mata, ela mora com filhos e netos em SP

Jorge Macedo - especial para o EM
Felipe Seffrin

Mineira relembra o dia em que viu o cometa Halley, quando tinha 8 anos - Foto: Arquivo Pessoal
São Paulo
– Passar por duas guerras mundiais, 11 papas, 19 Copas do Mundo, 25 presidentes do Brasil, 26 Jogos Olímpicos e ainda esbanjar lucidez e vitalidade é um privilégio para raras pessoas no planetaAos 111 anos, dona Josefina Neto de Assis Silveira é exemplo de vida para qualquer umNascida em Rio Espera, na Zona da Mata, em 22 de março de 1902, ela é a matriarca de uma família de mineiros que se estabeleceu na capital de São Paulo há cinco décadasApesar da idade avançada, dona Josefina tem forças para subir e descer sozinha a escada de seu sobrado no Bairro da Mooca todos os dias e ainda guardar vivas na memória lembranças que ultrapassaram os séculos.

Ao contrário de algumas mulheres que escondem sua data de nascimento, dona Josefina orgulha-se de tamanha longevidade“Tenho 111 anos e estou felizQuanto mais a gente viver, melhor!”, diz, com um sorriso largo no rosto de poucas rugasTímida diante de desconhecidos, mas atenta a tudo que se passa ao redor, aos poucos ela se solta e recorda episódios de um passado rico em histórias“Eu estava com oito anos quando falaram que um cometa ia passar no céuEu fui pra janela para ver e lembro-me como se fosse hojeA gente enxergou aquela cauda grande deleFoi uma beleza”, conta, referindo-se ao cometa Halley, que rasgou o céu brasileiro na madrugada de 19 de maio de 1910.

Dona Josefina não esquece também o dia em que o primeiro carro chegou a Rio Espera, cidade de 6.078 habitantes de acordo com o Censo 2010
“O primeiro carro da cidade era do sobrinho do padre AgostinhoQuando eu vi não senti nada de mais, mas as outras moças ficaram todas assanhadasEle cobrava cinco mil réis de cada uma para dar uma volta e enchia o carro de gente”, relembraSaudosa, a mineira centenária guarda até hoje paixão pela terra, que não visita há mais de uma década“Faz tempo que não vou pra lá, mas ainda me lembro de tudoTenho muitas saudades de MinasEu vim para São Paulo contrariadaEstava cheia de serviço como costureira lá, mas meu marido veio pra cá, o que eu ia fazer?”, repete várias vezes, chegando a se emocionar mesmo depois de tantos anos.

MEMÓRIA  Josefina nasceu em uma família tradicional de Minas GeraisEla é neta por parte de mãe do doutor José Francisco Netto (1827-1886), nomeado Barão de Coromandel por dom Pedro II em reconhecimento aos serviços médicos prestados durante um surto de varíola que atingiu o estadoNascido em Congonhas e radicado em Itaverava, o Barão de Coromandel chegou a governar a província entre 1880 e 1881
Durante a infância, a neta Fina, como era chamada, viveu junto com 10 irmãos na fazenda Pouso Alegre, produtora de leite e cachaça, onde conviveu com filhos de escravos libertos em 1888No casarão e mais tarde no Colégio Imaculada Conceição, em Barbacena, ela aprendeu a ler, escrever, dançar, cantar, tocar violão, bordar e costurar – atividade que exerceu por quase um século.

Em 22 de fevereiro de 1930, ainda em Rio Espera, ela se casou com Jacob Nogueira da Silveira, dentista por instrução e comerciante e vereador por vocaçãoCom seu esposo teve três filhos – Aloísio, José e Geraldo –, e adotou mais um, a Nazinha, que vive com ela até hoje, aos 86 anosFoi no fim da década de 1950, quando Jacob recebeu o convite de um amigo para trabalhar em São Paulo, que Josefina teve que deixar sua amada terraO marido veio antesEla resistiu às cartas que chegavam com frequência, mas depois pegou a estrada também, em 1959Os quatro filhos acompanharam a família e se estabeleceram na capital paulistaQuando Jacob faleceu, em 1982, Josefina já não tinha mais razões para voltar.

Hoje, ela tem cinco netos e dois bisnetos, e se o tempo deixar ainda verá outros nascerem“Ela diz que não é fruta raraMas ela desce e sobe escada, toma banho sozinhaEla tem muita vontade de viver”, conta Geraldo de Assis Silveira, de 71, administrador, o filho caçulaAos 111 anos de idade, Dona Josefina carrega em si mais vida que muitas pessoas.