Mateus Parreiras
Na porta do Palácio das Artes e do Chevrolet Hall ou perambulando nos corredores do entorno dos estádios do Mineirão e do Independência, cambistas que lucram com a falta de ingressos nas bilheterias oficiais não têm medo da ação policial. “Já tirei R$ 2 mil limpinhos no Atlético e São Paulo do Brasileirão do ano passado”, disse ao Estado de Minas um dos atravessadores que age na capital mineira e que se diz entusiasmado com a falta de ingressos nos jogos do Atlético, por causa da pequena capacidade do estádio do Horto, bem como a entrada de Belo Horizonte na rota dos grandes espetáculos – no sábado, o Mineirão recebe o show do ex-beatle Paul McCartney. “Nunca tive problemas com a polícia”, garante. A reportagem do EM encontrou na última semana vários cambistas agindo na noite, sem se importar com qualquer fiscalização.
Na porta do Palácio das Artes, no sábado, eram pelo menos seis homens apoiados nos corrimãos metálicos da entrada anunciando sem qualquer constrangimento ingressos para o concorrido show de Caetano Veloso. A reportagem foi abordada por um deles, que se identificou como Jorge. “Tá querendo vender ou comprar ingressos?”, indagou o homem de meia-idade e agasalho listrado. Perguntado sobre o preço para compra, disse que tinha ingressos de “meia” entrada que faria por R$ 180, mas que seria preciso ir ao guichê do espaço para converter o ingresso em “inteira” – por mais R$ 90 é possível trocar a meia-entrada por um ingresso normal. No fim das contas, uma entrada vendida normalmente por R$ 180, sairia por R$ 270.
Na entrada do Chevrolet Hall, na mesma noite, durante o show da banda Monobloco, os cambistas perambulavam sem qualquer pudor e ofereciam ingressos que tiravam dos bolsos. “O meu aqui é mais barato do que o da bilheteria. Vendo por R$ 100. Lá, você vai ter de pagar R$ 120”, dizia um dos rapazes, sem revelar como faz para vender mais barato do que a organização uma entrada que não era de cortesia. “Pega meu telefone se precisar de mais. Se quiser ingressos para shows de outros dias, é só me dar uma ligada”, disse.
O cambista que diz ter lucrado até R$ 2 mil numa só partida se considera um dos peixes pequenos dentro dos esquemas que ocorrem na cidade. “Comecei há 4 anos, quando tinha 30 anos. Meu negócio é colocar gente na fila. Dependendo do jogo, ponho de seis a oito pessoas. Aí tem de tudo: fila preferencial, grávida, aposentado...”, conta. O homem paga R$ 80 por cabeça e lanche, mas a pessoa tem de chegar às 19h na bilheteria e só sair no outro dia. “O único problema que já tive foi o de falta de ingressos (ele ri). Nunca com a polícia. Só entrego por telefone para quem encomenda”, revela. A clientela é farta e não exclusiva da capital: há gente de João Monlevade, Itabira e Nova Era. “Tem médico, enfermeiro, diretor de hospital, advogado, político. Gente que prefere ter garantido um ingresso. Compro por R$ 20 e vendo por R$ 60”, diz.
O que diz a lei
A atividade dos cambistas constitui crime contra a economia popular porque “busca obter ganhos ilícitos em detrimento do povo ou de número indeterminado de pessoas mediante especulações ou processos fraudulentos”, como consta na Lei 1.521, de 1951. A pena para essa conduta é de seis meses a dois anos de prisão e multa – muitos juízes a convertem em serviços comunitários. O Estatuto do Torcedor prevê ainda pena de um a dois anos de prisão e multa por vender ingressos de evento esportivo por preço superior ao estampado no bilhete. Fornecer, desviar ou facilitar a distribuição de ingressos para venda por preço superior ao estampado no bilhete pode resultar em pena de reclusão de dois a quatro anos e multa.
Farra com entrada usada
Segundo um produtor cultural que já coordenou a bilheteria de eventos, há outra tática usada por cambistas em micaretas e festas de faculdades, por exemplo. “Quando era responsável pela portaria, a gente faturava alto. Se o evento estava lotado, pegava ingressos já depositados nas urnas por quem já entrou e revendia para os cambistas”, admite. Se houvesse a necessidade de destacar as entradas, era preciso combinar com os seguranças. “A gente falava para os porteiros e vigilantes para não destacar alguns ingressos, no meio da confusão, e depois colocar nos bolsos. Aí eles nos repassavam e a gente vendia”, detalha.
De acordo com o comandante do 34º Batalhão da PM, tenente-coronel Idzel Fagundes, desde o início do ano flanelinhas e cambistas estão sendo localizados por policiais à paisana e denunciados. “A ação desses agentes não será tolerada durante os eventos no Mineirão”, garantiu o policial. De acordo com o delegado Anderson Alcântara, chefe do 1º Departamento da Polícia Civil, a ação dos atravessadores durante shows e jogos está sendo mapeada para saber quem trabalha para quem, onde agem quadrilhas e como o fazem. “O trabalho começou neste ano e já identificamos 22 cambistas e 300 flanelinhas, sendo que muitos agem em mais de um lugar ou evento”, disse.
Tudo por uma entrada