Jornal Estado de Minas

Informar blitz em redes sociais pode ser considerado crime

Delegado especializado em crimes cibernéticos pede à Justiça autorização para identificar mineiros que avisam sobre operações da Lei Seca. ele quer indiciá-los por atentado à segurança

Valquiria Lopes

Quase 80 mil seguidores de uma conta no microblog Twitter que avisa sobre blitzes da Lei Seca em Belo Horizonte estão na mira da Polícia Civil

A delegacia especializada em crimes cibernéticos apura a participação de tuiteiros na postagem de 16 mil mensagens no site Blitz BH e pediu à Justiça quebra do sigilo de IP dos computadores para chegar aos autores das mensagensIP é a sigla para internet protocol, número de cada máquina que serve para indicar a localização do equipamentoNa avaliação da polícia, quem avisa sobre blitzes pode ser enquadrado por atentado contra a segurança ou ao funcionamento de serviços de utilidade pública, crime previsto no artigo 265 do Código Penal.

Os responsáveis pela criação da conta – dois jovens na faixa etária de 20 anos – foram identificados e ouvidos na delegacia e também podem ser indiciadosO delegado Pedro Paulo Marques, responsável pelo caso, quer se reunir com representantes de empresas que hospedam essas informações na internet e com membros do Ministério Público e do Poder Judiciário para discutir o assuntoA punição prevista para o crime é de reclusão de um a cinco anos“A prática é considerada crime e tem uma pena alta, semelhante à punição atribuída por crime de estelionato”, afirma Marques, que pretende entregar um inquérito completo ao Ministério PúblicoAlém de punir os autores dos perfis na internet, o policial quer a retirada das contas do ar.

De acordo com o delegado Pedro Paulo, outras contas no Twitter e também aplicativos de smartphones podem ser atingidos pela investigação“O inquérito não tem uma conta específicaComeçamos com o Blitz BH que é um dos mais conhecidos, mas existem muitos outrosA internet está repleta deles”, diz
As ferramentas são alimentadas por informações de trânsito de forma geral, como pontos de congestionamento, acidentes e furto de veículosMas trazem também alertas sobre a presença de polícia em ruas e avenidas e a localização dos pontos de operações da Lei SecaServiços como o Trapster e o Lei Seca Mobile também têm milhares de seguidoresAlém disso, segundo o delegado, existem softwares e aplicativos de smartphones, como o Waze, que não têm representantes no Brasil“Desse modo, ficam livres do rigor da legislação brasileira”, reclama

Ações


O uso das redes sociais e de aplicativos para alertar sobre blitzes já foi alvo de ações em outros estados, mas a tentativa de punir internautas divide especialistas e autoridadesNo ano passado, a Advocacia Geral da União (AGU) ajuizou ação em Goiás contra a divulgação de informações sobre localização de radares e blitzesO Ministério Público Federal em Goiás (MPF-GO), no entanto, manifestou-se contrário à açãoPor causa de ação semelhante em Vitória (ES), a Justiça chegou a proibir que essas informações fossem divulgadas em redes sociais.

Na avaliação do comandante do Batalhão de Trânsito de Belo Horizonte, tenente-coronel Roberto Lemos, as publicações atrapalham o trabalho policial porque acabam com o fator surpresa característico da blitz“Essas mensagens são um desserviço
Podem não só atrapalhar no cumprimento da Lei Seca como também evitar que outros tipo de crimes sejam coibidos”, afirma, referindo-se a furtos de veículos, sequestros relâmpago, transporte de armas e de drogas, autuação de motoristas inabilitados, entre outros“É uma ação que prejudica a segurança das pessoas”, completaPara o advogado criminalista Warley Belo, “é absurdo adaptar o artigo 265 (do Código Penal) para uma realidade sobre a qual ele não diz respeito”Ele defende que seria necessária uma legislação específica para punir a prática“É uma medida autoritária”, avalia.

O delegado Pedro Paulo Marques reconhece que é necessária uma atuação conjunta com outros órgãos para apuração dos casos“Não adianta prender duas pessoas que foram identificadasO assunto não é só de um caso de polícia, é preciso inclusive repensar a legislação”Segundo ele, a Polícia Civil pretende implantar na capital um laboratório especializado de combate a fraudes eletrônicas e crimes de alta tecnologiaA unidade atuará no apoio às delegacias de todo o estado“O caso continua sendo investigado pelo delegado da cidade onde o crime ocorreu, mas ele terá suporte dos investigadores e do delegado do laboratório”, disse.

 

Ponto crítico

Alertar sobre blitz é crime?

Alexandre Atheniense, advogado especialista em direito digital

SIM

A prática de divulgar informações sobre blitzes de trânsito pode ser considerado um ato criminoso com base no artigo 265 do Código PenalPelo texto, o ato é tido como um atentado contra a segurança ou o funcionamento de qualquer outro serviço de segurança públicaControlar a violação, no entanto, ainda é um desafioExercer o controle e sanar o problema esbarra na dificuldade de operacionalização do processo, já que as informações no ambiente virtual são pulverizadas e existem milhares de pessoas acessando e postando nessas contas nas redes sociaisInvestigar todas essas pessoas seria impossívelAlém disso, existem sites que hospedam essas contas que nem mesmo têm representantes no Brasil e, por isso, escapam à punição das leis brasileirasOutro problema é que, mesmo com os perfis ou aplicativos de smartphones sejam retirados do ar ou desativados, os adeptos dessa prática podem encontrar outras ferramentas para continuar com as mensagens.

***************************************************************************************************************************************
Warley Belo, advogado criminalista e professor de direito penal

NÃO

A interpretação feita do artigo 265 do Código Penal para classificar como crime a postagem de informações sobre blitzes nas redes sociais viola dois princípios básicos do direito penalO primeiro deles, e mais grave, é da legalidadeIsso porque a lei precisa ser clara, escrita, certa e taxativa no sentido de não permitir interpretações e para não prejudicar o cidadãoO artigo 265 tutela o serviço de utilidade pública, mas não fala do serviço de segurança pública da atividade policialO que está ocorrendo é uma adaptação do referido artigo para as blitzes da atividade policialA informação postada na internet não impede a realização do trabalho policial, portanto não há um atentado nesse casoO segundo problema refere-se ao princípio da proporcionalidade, que é muito baixaO número de motoristas que burlam a Lei Seca, bebem e dirigem é um número muito baixo, segundo a própria políciaÉ absurdo esticar o artigo 265 para uma realidade sobre a qual ele não diz respeito