Jornal Estado de Minas

Em carta, delegado relata que adolescente baleada na cabeça falava em suicídio

Delegado Geraldo Toledo voltou a afirmar que não foi o autor dos disparos contra a jovem. Delegada que investiga o caso diz que policial tentou atrapalhar as investigações

João Henrique do Vale
Adolescente segue internada no Hospital João XXIII, em Belo Horizonte - Foto: Reprodução/Facebook

Detalhes sobre o relacionamento entre o delegado Geraldo do Amaral Toledo Neto e a adolescente de 17 anos, A.L, que segue internada no Hospital João XXIII após levar um tiro na cabeça, foram contados por ele em carta enviada nesta quinta-feira à Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG)No documento, o policial, que está preso suspeito do crime, diz que a jovem vivia em atritos familiares e que havia mencionado a hipótese de suicídio

Toledo contou que conheceu a adolescente em agosto de 2010, quando a família dela se mudou para o mesmo prédio onde ele morava“Sabendo que sou professor, a mãe dela solicitou que eu orientasse A.L., que estava escrevendo um livro, o que selou um forte vinculo entre todos nós", relatouNo ano seguinte, o delegado se mudou do imóvel, porém, a amizade entre eles se manteve

Na mesma época, segundo o delegado, a adolescente teve o primeiro atrito com a família" A amizade familiar foi rompida quando, desesperada, A.Lme procurou chorando muito, dizendo que seu padrasto a teria assediado", disse o policialA garota, segundo a carta, foi expulsa de casa por ter contato o fato para o delegado e foi morar com os avós em Goiás

Em 2012, a adolescente retornou à capital mineira e foi morar em uma república, pois a família já estava residindo em Conselheiro Lafaiete, na Região Central de Minas GeraisApós o regresso, a garota teria começado a consumir drogas
" A.Lcomeçou a frequentar festas 'raves', a tomar ecstasy e fumar maconhaPreocupado, fui ate sua republica (Sic.) e a tirei de láQuando obtive forte desentendimento com suas 'amigas'", comentou Toledo na cartaNo mesmo ano, os dois começaram a manter um relacionamento, que o delegado fez questão de ressaltar que foi "ligeiro".

Segundo o delegado, a adolescente teria ficado com ciúmes dele, já que não deixou de sair e viajar com os amigos mesmo com o relacionamento, e simulou uma gravidezToledo afirma que deu total apoio a ela, pois "era um sonho antigo ter mais um filho", inclusive a colocando como dependente de seu plano de saúde

Porém, desconfiado, insistiu que a garota fizesse exames, que comprovaram a farsa, segundo o delegadoOs dois tiveram um desentendimento, já que o policial não quis dar abrigo à jovem, já que estava saindo de férias, e a garota teria simulado uma agressão"Ciente disso e inconformada, simulou ter sido agredida e se dirigiu até uma delegacia solicitando minha prisão e o impedimento de minha viagem", conta ToledoEm seguida, a adolescente, segundo versão do policial, "confessou a mentira" e solicitou a desistência do processo criminal
A jovem foi para Conselheiro Lafaiete, mas a amizade deles continuou

Toledo fez questão de informar que estava preocupado com a adolescente, já que ela estava em "estado depressivo"Ele conta que no mês anterior ao desentendimento, ela havia furtado uma arma dele e dito que iria suicidarMas, foi acalmada por Geraldo

Passeio em Ouro Preto

Geraldo Toledo continou com a versão de que a adolescente cometeu suicídioSegundo o delegado, no dia em que a garota foi baleada, os dois passaram a tarde juntos, pois ela queria "reviver sua infância na casa dos parentes"

Segundo relata o policial, quando os dois estavam na estrada que liga Lavras Novas a Ouro Preto, a jovem teria entrado em desespero e pedido para morar com o delegado"Tentei consolá-la e convencê-la de enfrentar tal situaçãoEla se desesperou mais e começou a me agredir e tirou a chave do contato do carroSaí do veiculo, na estrada, dizendo que iria emboraEm berros ela pedia para eu voltarQuando olhei para trás, ela retirou da bolsa uma pequena arma e disparou contra si mesmo, na cabeça", conta Toledo

O delegado afirma que ficou atordoado e a levou para o hospitalPor causa de seu estado de choque, não teria conseguido encontrar a delegacia de Ouro PretoPorém, diz que logo comunicou os seus superiores, as famílias dele e da garota, e uma advogada"Durante nossa discussão na estrada, e a retirada da chave do veículo, acionei a delegacia de Ouro Preto, me identificando, o que demonstra que nada foi premeditado", explica

O delegado usou três pontos para tentar provar que não foi o autor dos disparos que acertou a cabeça da jovem" A perícia detectou que a arma que eu carregava no posto de gasolina era um revólver 38 e não a arma que ela usou contra si mesmoSe eu realmente quisesse matá-la, eu não a levaria para o hospitalAlém disso, usaria a arma que trazia, um 38, que tem um poder de lesividade e de destruição maior", disseTambém ressalta que a tomografia feita na jovem detectou que os ferimentos provocados pela bala seriam compatíveis com o suicídio de uma pessoa destra

Sobre os exames residuográficos feitos nas mãos da adolescente que não encontraram nenhum vestígio de pólvora, Toledo diz que o laudo foi feito no dia seguinte aos fatos, o que o "torna inidonio".  Por fim, diz que não havia nenhum motivo para desejar a morte de A.l"Eu era o seu melhor amigo, o seu padrinho, professor e desejava um enorme futuro"

Delegado participou da reconstituição do crime, onde manteve a versão de suicídio - Foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A.Press

Passado complica delegado

Na audiência pública, presidida pelo presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, deputado Durval Ângelo (PT), a delegada que investiga o caso, Águeda Bueno do Nascimento e o corregedor-geral da Polícia Civil de Minas, Renato Patrício Teixeira, deram detalhes do inquérito Teixeira apontou histórico da conduta complicada de ToledoSegundo o corregedor, o policial é investigado em 10 inquéritos, nove sindicâncias e dois processos administrativos

De acordo com a Águeda Bueno, a cronologia dos fatos levantada pela investigação mostra que Toledo, com a consciência de policial, tentou atrapalhar ao máximo o trabalho da corporaçãoEla apontou três fatos que comprovam a tentativa de desviar atenções dos investigadores para provas do crimeNo dia do tiro, Toledo ligou para o 190 da PM pedindo o telefone da delegacia de Ouro PretoEm contato com os colegas da unidade policial, ele pediu apoio e logo depois desistiu da ajuda dizendo que já havia resolvido a situaçãoComo segundo fator, a delegada apontou o fato de Toledo ter abandonado a jovem no hospital sem documentos ou identificaçãoPor último, a delegada disse que a arma do crime nunca apareceu e que para dificultar a cronologia, Toledo abandonou o carro na casa de um amigo