Passados quase quatro meses do incêndio que causou a morte de 242 pessoas na Boate Kiss, em Santa Maria (RS), efeitos colaterais da tragédia ainda são sentidos em Belo Horizonte. Casas de shows representam mais de um terço dos empreendimentos que deram início ao processo de regularização no Conselho Municipal de Política Urbana (Compur). Paralelamente, o Corpo de Bombeiros, com apoio de fiscais da prefeitura, pretende começar na próxima semana a vistoria nas boates inspecionadas após a tragédia, para avaliar o cumprimento das adequações exigidas e garantir a segurança.
Desde 27 de janeiro, dia do acidente, 11 estabelecimentos entraram com pedidos para fazer o estudo de impacto de vizinhança (EIV) – obrigatório para o licenciamento da atividade –, enquanto em todo o ano passado eles somaram apenas 14. “Depois da tragédia, houve uma postura mais rígida da prefeitura e dos bombeiros em relação às casas noturnas. E, para regularizar a situação e o alvará de funcionamento, o estabelecimento é obrigado a fazer o EIV, que passou a ser uma exigência para empreendimentos de impacto em 2011”, explica o gerente-executivo do Compur, Ricardo Cordeiro.
Segundo Cordeiro, a maior parte é de casas já em funcionamento. “Durante a fiscalização, qualquer irregularidade é notificada e há várias situações de estabelecimentos com alguma problemas de alvará, desde área maior que a informada até outras questões. Na hora de fazer essa correção na Secretaria Adjunta de Regulação Urbana, o empreendimento precisa apresentar o estudo ao Compur”, afirma.
O presidente da Federação de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares de Minas Gerais (Fhoremg), Paulo César Pedrosa, diz que a fiscalização nos estabelecimentos determinou adequações que não constavam antes da concessão do alvará: “Isso é bom de certa forma, pois dá tranquilidade ao frequentador, mas houve exagero. Cada fiscal pede um item e isso confunde o empreendedor”. Amanhã, os conselheiros do Compur analisam o pedido de oito boates, entre elas o Lord Pub, no São Pedro, e Circus Rock Bar, em Lourdes, na Região Centro-Sul, em funcionamento há oito anos e dois anos, respectivamente.
“O EIV é uma exigência relativamente nova da prefeitura. Já atendíamos a maioria das exigências e estamos formalizando esste estudo com todas as boas práticas”, afirmou um dos sócios das boates, Gustavo Jacob, que sentiu maior rigor da fiscalização depois do incêndio em Santa Maria.
Denúncias triplicaram
Depois da fiscalização nos dias seguintes à tragédia de Santa Maria, as casas de shows tiveram 60 dias para se adequar às normas de segurança impostas pelo Corpo de Bombeiros. Na semana que vem, agentes da corporação e fiscais da prefeitura voltarão aos 129 estabelecimentos vistoriados em março e abril. “Demos prazo mais que suficiente para que pudessem se regularizar e vamos voltar para conferir se tudo foi cumprido”, avisa o subcomandante de Operações, coronel André Gerken. Serão avaliados requisitos exigidos pela lei de prevenção contra incêndio e pânico.
O último balanço, divulgado pelos bombeiros, em abril, revela que apenas 11 das 129 casas noturnas não tinham problemas com a segurança. Treze foram interditadas, como a Up E. Music, no Bairro Funcionários, fechada em fevereiro e que não reabriu. Segundo um ex-funcionário da casa noturna, a proprietária desistiu de fazer todas as adequações exigidas porque o imóvel é muito pequeno e inviabiliza obras.
O subcomandante diz que os proprietários estão preocupados em cumprir a lei: “Houve quem nos procurasse para conseguir o auto de vistoria dos bombeiros (AVB) sem que fossem necessárias denúncias”. O público também está atento. Segundo o coronel, somente na Regional Centro-Sul, de 27 de janeiro a março, as reclamações aumentaram 338% no Disque-Denúncia da corporação relativas às condições de segurança dos estabelecimentos, em relação ao mesmo período do ano passado.
Dono da casa de shows Nelson Bordello, Bernardo Gontijo Guimarães é um dos empresários que tentam atender as exigências da legislação. Ele teve de fechar as portas do estabelecimento por um mês depois que uma fiscalização constatou problemas em extintores e na sinalização de emergência. Reabriu em março, mas ainda precisa resolver falhas apontadas pelo estudo de impacto de vizinhança (EIV), condição para regularizar a situação do alvará de funcionamento da casa. “Solicitei o EIV em agosto de 2012 e agora resolvi as normas de prevenção de incêndio. No entanto, para poder funcionar dentro da lei, estou condicionado à regularização de todo o prédio, o que considero um erro”, reclama.