Jornal Estado de Minas

Receita para ver o papa

Para viajar e ver o papa, jovens fiéis apostam na venda de guloseimas



A cena já se tornou corriqueira – e saborosa – nos fins de semana, logo depois das missas. Com entusiasmo e determinação, jovens põem a mão na massa e modelam pizzas, fritam pastéis, recheiam empadas, fazem macarrão na chapa e vendem bombons, sem medo de fazer rebanho católico pecar pela gula. O motivo é mais do que nobre: com o dinheiro arrecadado nas barraquinhas de doces e salgados, eles pretendem pagar passagem, alimentação e hospedagem no Rio de Janeiro (RJ), em julho, durante a Jornada Mundial da Juventude (JMJ), presidida pelo papa Francisco e com estimativa de 2 milhões de pessoas. A expectativa é que 7 mil rapazes e moças, dos 28 municípios que compõem a Arquidiocese de Belo Horizonte, viajem à capital fluminense entre 23 e 28 de julho. “Orientamos as paróquias a dar todo o apoio. Os jovens estão realizando atividades criativas, como os festivais de comida. Quanto mais presentes, mais se tornam protagonistas da Jornada. É fundamental a participação para conseguir recursos, pois isso mostra comprometimento. Afinal, nada cai do céu”, diz o bispo auxiliar dom João Justino de Medeiros, referencial da juventude na arquidiocese.



Na Paróquia Santa Margarida Maria Alacoque, nos bairros Jardim Montanhês e Caiçara, na Região Noroeste de BH, ingredientes como farinha de trigo, ovos, tomate e queijo passaram a fazer parte do dia a dia de muita gente. No salão paroquial, os jovens aprenderam a fazer pizzas e pastéis e agora agradam o paladar dos participantes. Amanhã, às 19h, na Rua Tomás Brandão, 350, os integrantes da comunidade Caminho Novo, fundada há quatro décadas, na França, e presente em 28 países, promovem a Noite da Pizza. “A intenção é que o evento tenha o mesmo resultado dos festivais de torta e sorvete promovidos anteriormente”, diz o estudante de medicina Saulo Gomes dos Santos Abdalla, de 25 anos. “O pastel é sempre um sucesso. Mas, para amanhã, contratamos um pizzaiolo”, afirma o bem-humorado Abdalla, que em 2011 esteve em Madri, Espanha, durante a JMJ presidida por Bento XVI.

Na tarde dessa quinta-feira, um grupo do Caminho Novo, que enviará 500 brasileiros e 500 estrangeiros ao Rio, se reuniu para discutir seus planos e preparar as delícias da culinária italiana. O dinheiro arrecadado será distribuído entre os que não tiverem condições de bancar os custos da viagem. Preparando a massa, a estudante de direito Eliza de Carvalho Cyrillo, de 24, moradora do Bairro da Serra, na Região Centro-Sul, demonstrou grande expectativa quanto à JMJ. “A reunião dos jovens católicos será oportunidade única para aquecer os corações. Vai ser um encontro de verdade com Cristo”, observa Eliza, que frequenta a Paróquia de Santana, no seu bairro, e colabora com a comunidade do Jardim Montanhês e Caiçara, que recebe apoio de jovens das paróquias Mãe da Igreja, da Vila Paris, e Santo Antônio Maria Claret, de Contagem.

Mesma língua

Entre um tempero e outro, o assunto gira sempre em torno das ações de evangelização, a Semana Missionária, chamada também de Pré-Jornada, que ocorrerá em Belo Horizonte de 16 a 21 de julho, e a JMJ. “Com a venda de doces e salgados, rifas e organização de festas, muitos jovens serão beneficiados. Participar da jornada será uma bênção para todos, uma mobilização maravilhosa”, acredita Lorena Silveira Fonseca, de 24, formada em psicologia e moradora do Centro da cidade. Ao lado, uma jovem, de 23 anos de idade, estudante de arquitetura, está certa de que idiomas diferentes não serão empecilhos para o entendimento entre cerca de 2 milhões de católicos: “Falaremos a língua da fé e do amor em Deus. Queremos um mundo melhor, transformações. Isso, certamente, vamos trazer na volta para casa”.



Dominando o português e entrosado com os mineiros, o missionário francês Jean-Baptiste Benoit, de 22, que já virou João Batista e trabalha com jovens carentes, unindo teatro, esporte e dança, aprendeu também rápido a fazer os quitutes. “O maior sentido desses encontros está na evangelização”, revela o simpático Jean-Baptiste, que chegou ao Brasil há pouco mais de um ano.

 

 

Gasto varia de R$ 427 a R$ 1,4 mil

Priscila, Cássia, Karina e Rafaela, da Paróquia São Gaspar Bertoni (Venda Nova), produzem bombons (foto: CRISTINA HORTA/EM/D.A PRESS)
Muitos jovens mineiros vão ficar os seis dias da JMJ no Rio, a um custo estimado, por pessoa, de R$ 1,4 mil. Outros ficarão apenas um fim de semana, celebrando a chegada do papa Francisco, a vigília em Guaratiba e via-sacra no Bairro de Copacabana. Nesse segundo caso, o gasto será de R$ 427, com hospedagem em escolas, paróquias, casas de religiosos e espaços denominados acampamentos. “É muito dinheiro para as famílias da nossa comunidade, por isso os jovens estão empenhados em conseguir os recursos”, ressalta Edmar Basílio, coordenador da pastoral dos jovens da Paróquia São Gaspar Bertoni, no Bairro Lagoa, em Venda Nova, no limite com Ribeirão das Neves.

Além da venda de doces e salgados, os jovens fizeram festa em praça pública e agora vendem bilhetes de uma rifa. Observando a movimentação das adolescentes, o pároco Jarbas Matos diz que os pais só deixam a garotada viajar “se a gente for junto”. O macarrão está na chapa e é impossível resistir ao aroma que invade o pátio ao lado da Igreja de Nossa Senhora Aparecida, na Praça São Jorge, nº 1. “A necessidade faz a gente aprender”, confessa a estudante Priscila do Carmo, de 17, residente em Ribeirão das Neves, que começou em dezembro, junto com os outros amigos, a preparar os alimentos e gostou. “Estou superansiosa com a JMJ e a Semana Missionária. Vamos trazer experiência para casa”, adianta a adolescente.



Ao lado, Karina Rocha Pereira, de 16, diz que já sabia cozinhar, “pois filha única precisa saber de tudo”, e está feliz com a chance de ver o papa e conhecer o Rio. “Se não fizéssemos essas promoções, aos domingos, depois da missa das 19h, ficaria muito difícil para nossos pais arcar com tudo.” A estudante Cássia Marina de Souza Ferreira, de 18, moradora do Bairro Lagoa, vai com o namorado, também atuante na paróquia, e põe fé nas celebrações religiosas em BH e no Rio. “Será uma boa viagem, pelo menos estamos na maior esperança e expectativa.” Diante da igreja, a estudante Rafaela Freitas Bicalho, que pretende cursar administração, apresentou uma bandeja de bombons, vendidos a R$ 1 a unidade, faz a propaganda: “Tem de brigadeiro e coco. E vem agradando”.


SAIBA MAIS: Origem do evento

A Jornada Mundial da Juventude, que está em sua 28ª edição, é um evento católico realizado a cada dois ou três anos, convocado pelo papa e em cidade indicada por ele. É considerado o maior evento da Igreja em congregação de jovens e tem sempre a presença do sumo pontífice. A história começou em 1984, quando o papa João Paulo II (1920-2005), durante celebração na Praça de São Pedro, no Vaticano, entregou aos jovens a cruz que se tornaria um dos principais símbolos da JMJ. Na ocasião, o papa pediu aos jovens que enviassem a cruz, que ficou conhecida como Cruz da Jornada, a diversas partes do mundo. Em 1985, declarado o Ano Internacional da Juventude pela Organização das Nações Unidas (ONU), o papa instituiu a Jornada Mundial da Juventude durante um encontro internacional de jovens no Vaticano. No Brasil, a JMJ terá como tema “Ide e fazei discípulos entre todas as nações” (Mt 28, 19).