“Socorro! Mataram a Tica!” Foi assim que a empregada doméstica Cleusa ligou ontem pela manhã, aos prantos, para o patrão, o analista de sistemas Wanderson Caricatti, de 46 anos. Pelo celular, em pânico, a mulher tentava explicar que dois assaltantes haviam entrado na casa da família, no Bairro Salgado Filho, na Região Oeste de Belo Horizonte. Estavam preparados para fazer uma limpa – já haviam embalado joias, eletrodomésticos e objetos de valor em trouxas, feitas com lençóis.
Foram impedidos pela valentia da cadela Tica, mestiça de rottweiler, de 5 anos, que avançou nos ladrões e latiu alto até ser atingida por um tiro de revólver 38 na cabeça. Mesmo ensaguentada e em desvantagem, Tica não desistiu: perseguiu os assaltantes até o portão e não descansou até que batessem em retirada, com a ajuda de um terceiro cúmplice, que aguardava a dupla com o Audi A3 prata na esquina.
A dona da casa, a securitária Letícia Bezerra, de 40 anos, dá mais detalhes sobre o assalto: “Saí de casa às 7h30 para trabalhar com meu marido e meu filho, de 7 anos. Os ladrões já tinham tudo armado. Eles arrombaram o portão da casa, tornaram a fechar para ninguém desconfiar e depois entraram pela janela. Estavam embalando tudo quando a empregada chegou, às 10h.” Ela conta que, na pressa, uma enorme chave de fenda foi deixada para trás.
Cleusa entrou pela porta de serviços, como faz sempre, dando acesso à rottweiler, que fica presa na lateral da casa. Percebeu que a cachorra estava estranha e que, em vez de entrarem juntas na cozinha, como fazem sempre, Tica entrou correndo. “Assim que passou pela porta, a cadela disparou a latir, assustando os ladrões. Deu tempo de Cleusa gritar e sair correndo. Tica continuou avançando e os ladrões não tiveram outra saída a não ser atirar e sair correndo. Mesmo ensanguentada, Tica foi atrás dos ladrões, que ficaram presos na varanda. Cleusa teve de segurar a cachorra e abrir o portão com o controle. Só depois, ela ligou, gritando e chorando”, contou Wanderson.
Os ladrões fugiram correndo, com mochilas nas costas, levando um i-Pad, poucas joias e uma câmera fotográfica. “Isso não é nada. Se não fosse a Tica, poderiam ter rendido a Cleusa e levado nossa casa inteira”, comenta Letícia. O marido concorda: “Tica salvou a pátria. Os assaltantes planejavam fazer uma limpa. Não iria sobrar nada”. O empresário correu para casa e chamou a polícia pelo 190. Duas viaturas da Polícia Militar chegaram minutos depois. “Os soldados ficaram emocionados com a história da Tica e ajudaram a improvisar uma maca com restos de cobertor”, explicou Wanderson, que rumou imediatamente com a cachorra para a clínica veterinária.
Socorro
Apesar de passado o susto, Cleusa fez questão de seguir junto para o veterinário. Com 10 anos de serviços na casa, ela chama a cadela de 48 quilos de Bebê. “A cachorrinha deu sorte. A bala entrou pelo focinho, passou pelo céu da boca, entrou direto pela traqueia e ficou alojada no pescoço. Não fraturou nem um osso”, explica Carlos Augusto Campos Assis, dono da clínica.
Depois de sofrer três cirurgias e ser entubada, em procedimento de hora e meia, os prognósticos de Tica são bons. “A princípio a bala não pegou nada de nobre e nenhum vaso importante, se não ela tinha morrido por hemorragia. É cedo para dizer se vai haver sequelas”, complementou o veterinário Alexandre Nagem.
“A cachorrinha tem boa chance de sobrevivência. Na verdade, nasceu de novo. Dá uma tristeza profunda, porém, perceber que não existe mais respeito pela vida nem a do homem, nem a do animal, que só estava agindo por instinto, defendendo o patrimônio dele e dos seus donos”, diz Carlos Augusto Campos Assis, dono da Clínica Veterinária São Francisco de Assis. Segundo ele, é o terceiro caso de cão ferido por assaltantes este ano na instituição.