Ouro Preto – Nada como um projeto adequado, equipe técnica dedicada e, claro, recursos para garantir a restauração de um monumento do início ao fimSeis meses depois de ver paralisados os serviços de recuperação da Matriz de Nossa Senhora de Nazaré, por falta de repasse de verba federal à empresa responsável pela obra, a comunidade de Cachoeira do Campo, em Ouro Preto, na Região Central, olha para a igreja do início do século 18 com alívio e fortalece a esperança de vê-la segura e totalmente preservada até meados do ano que vemQuem entra hoje no templo barroco, tombado desde 1949 pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), pode ver o avanço significativo do trabalho, com 95% dos cupins dizimados, telhado pronto, altares livres da degradação e surpreendentes descobertas no forro em policromia“Estamos felizes e com o coração tranquiloTemos certeza de que, de agora em diante, a obra não para mais”, diz o titular da Paróquia de Nossa Senhora de Nazaré, padre Oldair de Paulo MateusA igreja está fechada para as celebrações religiosas desde setembro de 2011
Na semana passada, uma equipe formada por autoridades do patrimônio federal e municipal, engenheiros da construtora e moradores do distrito esteve na igreja para uma avaliação dos primeiros resultadosO chefe do escritório técnico do Iphan em Ouro Preto, arquiteto João Carlos Cruz de Oliveira, explicou que o restauro da matriz representa uma “parceria piloto” do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) das Cidades Históricas, que deverá ser anunciado pela presidente Dilma Roussef em junho, embora, no caso de Cachoeira do Campo, os recursos (R$ 1,8 milhão) sejam do Ministério das Cidades com repasse feito pela Caixa Econômica Federal e aprovação do IphanA prefeitura local deu a contrapartida de 10% do custo da obra
O interior da nave ainda está tomado por andaimes, mas basta olhar os retábulos para ver as várias etapas da empreitada prevista para terminar em abril de 2014João Carlos aponta o altar de Nossa Senhora do Rosário, com todos os elementos artísticos higienizados, e ao lado, o de Bom Jesus, preparado com uma base própria, denominada bolo armênio, para receber as folhas de ouro
Ao lado do padre Oldair, há um ano celebrando missas e realizando as demais celebrações na Igreja de Nossa Senhora das Mercês, João Carlos retira o plástico bolha que cobre o camarim, estrutura do altar-mor, já higienizada no qual fica a padroeira Nossa Senhora de NazaréOs douramentos virão a seguirA bela imagem, por sinal, também está sendo restaurada pelas técnicas em conservação Laura Teixeira de Oliveira e Lunara Silva, ambas formadas pela Fundação de Arte de Ouro Preto (Faop)“Sou de Ouro Preto e é muito bom e gratificante trabalhar aqui em benefício do nosso conjunto arquitetônico ”, afirma LunaraO superintendente de Patrimônio e Cultura da prefeitura, Wanderson José Rolla Gomes, conta que 30 pessoas trabalham na igreja, incluindo os restauradores, e a maior parte da mão de obra foi recrutada na região “de forma a valorizar os profissionais da sede e distritos de Ouro Preto”
CAMADAS DE HISTÓRIA Com as prospecções no forro da matriz, a equipe de restauradores encontrou, sob a atual pintura, do século 19, outra, que pode ser da época de construção da igrejaCom entusiasmo, o responsável técnico pela obra, arquiteto Paulo Hermínio Guimarães, da empresa contratada Germec Construções, mostra os dois momentos dessa história de mais de 300 anos e ainda uma parte coberta de tinta cinza, a ser removidaEm breve, equipe do Centro de Conservação e Restauração de Bens Culturais Móveis da Escola de Belas-Artes da Universidade Federal de Minas Gerais (EBA/UFMG) vai aprofundar os estudos, unindo alta tecnologia ao barroco, com uso de um equipamento de raios X
Paulo Hermínio conta que, além da desinfestação quase total dos cupins, a cobertura foi recuperada com a colocação de 4 mil telhas e não há qualquer problema na estrutura do templo“No mês que vem, vamos começar os serviços nas paredes, e, na sequência, nas esquadrias (portas e janelas), piso e nos forros sem pinturas”, disse o arquiteto.
PASSAGEM SECRETA O ex-presidente da Associação dos Amigos de Cachoeira do Campo (Amic) Rodrigo da Conceição Gomes lembra que o movimento para recuperar a igreja começou há mais de 10 anosEle revela alguns “segredos” da construçãoUm deles é um alçapão na Capela do Santíssimo, porta de entrada para um túnel de pouco mais de 200 metros que vai até a antiga casa paroquial, agora propriedade particular“Na praça em frente à matriz, houve conflitos históricos, como a Guerra dos Emboabas, então certamente era um lugar de fugaNo início do século passado, as peças sacras eram guardadas nesse compartimento com chão de terra, o que acabou deixando marcas na base das imagensSó mais tarde fizeram um cofre dentro da igreja”, conta Rodrigo.
Enquanto isso...
…Campanha para preservar colégio
O distrito de Cachoeira do Campo está em outra luta, desta vez para preservação do Colégio Dom Bosco, de 1779Dentro de três meses, o dossiê sobre a propriedade ficará pronto para ser levado à apreciação do Conselho Estadual do Patrimônio Cultural (Conep), que decidirá sobre o tombamento pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha/MG)O documento é uma das etapas mais demoradas do processoEm setembro, o presidente do órgão, Fernando Cabral, adiantou ao EM que a medida vai livrar o local da descaracterização, derrubada ou sanha da especulação imobiliáriaO professor de história José Augusto Conceição, um dos líderes do movimento O Dom Bosco É Nosso, diz que a educação e a cultura são as atividades mas apropriadas para estar esse patrimônio, e não empreendimentos imobiliários, como pretendia uma empresa