Uma atitude aparentemente simples se tornou um problema administrativo em Belo Horizonte e põe em xeque uma lei desconhecida pela maioria da populaçãoA regra é clara: quem deixa fezes de animal de estimação em via pública está sujeito a multa de R$ 790,54Mas quem faz o contrário, recolhe os dejetos, pode receber a mesma punição se jogá-los nas lixeiras públicasDiante disso, associações de moradores que pretendiam instalar caixas coletoras nos bairros especificamente para esse fim, facilitando a vida de quem passeia com seu pet e deixando a cidade limpa, se veem impedidas legalmenteA Superintendência de Limpeza Urbana da capital (SLU) reconhece a contradição e defende adequações nas normas em vigor
O que seria solução para evitar a sujeira da capital, que conta com uma população de quase 250 mil cães de estimação, segundo o Censo Animal de 2012, da Secretaria Municipal de Saúde, virou dor de cabeçaO artigo 70 da Lei 10.534, aprovada em 10 de setembro do ano passado, determina que o dono do cão deve recolher os dejetos e levá-los para casa para despejá-los no vaso sanitário ou juntá-los ao lixo doméstico.
A Associação de Moradores e Amigos da Savassi (Amas) espera apenas um posicionamento formal da SLU para saber se poderá ou não instalar as 30 lixeiras específicas para fezes de cãesOs equipamentos de aço inox e os sacos plásticos serão bancados por uma construtora, mas os dejetos teriam de ser recolhidos pelo serviço de limpeza urbana“É algo absurdo e sem cabimentoJá é muito tentar educar as pessoas para recolher as fezesSe a lei impõe que, além disso, deve-se levá-las para casa, fica ainda mais difícil”, afirma o presidente da Amas, Alessandro Runcini
Será feita uma campanha educativa na região“Uma vez educado, o cidadão realmente contribuiA partir daí, a prefeitura poderia multar ou notificar quem jogar os saquinhos com dejetos na lixeira comum, mas sem proibir os cestos especiaisA experiência do Bairro de Lourdes (Região Centro-Sul de BH) mostra que temos razão”, afirma.
A SLU informou que tem condições de recolher as fezes das lixeiras especiais, mas não pode fazê-lo por causa da lei
NAS RUAS
Quem passeia com os animais de estimação desconhece a restriçãoMuitos donos e cuidadores de cães têm sempre à mão sacolinhas ou folhas de jornal para recolher as fezesMas depositam o material nas lixeiras comuns, sem saber que cometem uma infração
“Nunca ouvi falar e acho complicado cumprir essa lei”, diz o cuidador de cães Luís Fernando Gonçalves de Souza, de 16 anosTodos os dias, ele passeia com dois cães na Avenida Bandeirantes, no Bairro Mangabeiras, Centro-SulEm uma hora de caminhada, chega a parar três vezes para recolher as fezes, e surpreso, questiona a aplicabilidade da lei“A cidade não tem lixeiras próprias para esse tipo de sujeiraAgora vou ter de carregar na mão? Não tem como”, critica
Dona do pequeno Rex, de 3 anos, a aposentada Zubaida Assrauy, de 81, concorda com a norma que proíbe o uso de lixeiras comuns, mas cobra alternativa da prefeitura para não ter de levar as fezes para casa“Acho inadequado jogar a sujeira nas lixeiras normais, mas quando vou à Praça da Liberdade acabo deixando as fezes nas cestas comuns, porque não há outra opção”, observa
A cuidadora de cães Carolinne Stefany Melo, de 17, passeia com animais em vários bairros da Região Centro-SulResponsável por nove cachorros ao longo do dia, ela afirma só ter visto locais adequados para o depósito de dejetos na Praça Marília de Dirceu“Se é proibido, deviam ter instalado outras lixeiras como estas em toda a cidadeAí resolveriam o problema da sujeiraMas os cães param para fazer cocô várias vezes e é complicado carregar isso até em casa”, reclama.
Responsável pela limpeza das lixeiras exclusivas para fezes no Lourdes, o auxiliar de serviços gerais Noel Cláudio Alves diz que a sujeira diminuiu bastante depois da instalação dos recipientesMas ele reclama que as pessoas lançam outros materiais nos cestos, que acabam ficando cheios antes do dia de coletaQuem gosta de descansar nos bancos da praça do bairro, como a babá Márcia Geralda Batista, de 45 anos, elogia a iniciativa da Amalou“Isso mantém o espaço público limpoA prefeitura deveria espalhar outras semelhantes pela cidade, já que é proibido jogar o cocô no lixo comum”, diz
A Lei 10.534/2012 dispõe sobre a limpeza urbana, os serviços e o manejo de resíduos sólidos urbanos em Belo Horizonte: “O proprietário, o responsável ou o condutor de animal deverá proceder à limpeza, acondicionamento e remoção imediata dos dejetos do animal depositado em logradouro público, mesmo que esteja sem guia ou coleiraParágrafo único – Os dejetos de animais poderão ser dispostos na rede primária do sistema de esgoto sanitário local ou encaminhados para os serviços regulares de coleta e transporte de resíduos sólidos domiciliares, desde que devidamente acondicionados e em conformidade com as normas técnicas da SLU”.