Pitangui – Fundada por bandeirantes paulistas no fim do século 17 e elevada pela Coroa portuguesa à condição de sétima vila do ouro em 1715, Pitangui completa 298 anos neste domingo. Às vésperas do aniversário da mais antiga cidade do Centro-Oeste de Minas, a 130 quilômetros de Belo Horizonte, o poder público anunciou alguns presentes aos moradores, como nova etapa de restauração da centenária Igreja São Francisco de Assis, erguida entre 1850 e 1873, de estilo neoclássico, e a reforma de seu adro. As reformas foram autorizadas pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha-MG) e devem ser concluída antes de 2015, quando o município irá comemorar seu tricentenário.
Há uma expectativa de que o adro receba uma escadaria de pedra-sabão. O local ganhará iluminação, bancos e piso de paralelepípedos. As novas características ao redor da igreja darão mais charme ao seu conjunto arquitetônico, cuja reforma tem fim aguardado com entusiasmo pela comunidade. Afinal, além de ser um dos cartões-postais da cidade, o templo está fechado desde dezembro de 2002, devido a problemas nas estruturas interna e externa. A reforma só começou em 2010 e a maior parte dos recursos é do governo estadual.
“Duas etapas das obras da igreja foram concluídas. Faltam outras duas: a do forro e a da parte artística. Essa última, por exemplo, envolve o altar-mor, onde há detalhes (esculpidos) no século 18. O novo adro será feito em acordo com o estilo da igreja, que é o neoclássico”, disse, sem esconder a euforia, o secretário municipal de Cultura, Turismo e Patrimônio Histórico, Antônio Lemos. “O processo de licitação será aberto em breve”, acrescenta o frei Manoel Ricardo da Rocha Fiúza, do Conselho Municipal do Patrimônio, Cultural e Turismo.
A capela, como muitos moradores se referem à Igreja de São Francisco, foi edificada na segunda metade do século 18 no então morro Alto das Cavalhadas. Dois objetos, na torre esquerda, reforçam a importância da igreja no cotidiano dos mineiros daquela época. Trata-se do relógio, fabricado em 1811, e do sino, de 1862. Ambos foram feitos em Portugal e doados à paróquia pela Coroa lusitano. É importante lembrar que o centenário templo foi construído numa época em que a sétima vila do ouro era referência no desenvolvimento econômico da então Província das Minas Gerais.
Pitangui é a “cidade-mãe” de mais de 40 municípios mineiros, incluindo, entre outros, Nova Serrana, Pará de Minas, Divinópolis, Itaúna e Bom Despacho. Vários deles se desenvolveram economicamente mais do que a sétima vila do ouro – as outras são Mariana, Ouro Preto, Sabará, São João del-Rei, Caeté e Serro. Na época em que esses lugarejos se despontavam na economia e na alta sociedade mineira, a Igreja de São Francisco era referência no Centro-Oeste da província que mais abasteceu a Coroa portuguesa com ouro e outras pedras preciosas.
Pó de ouro
O interior da edificação não é tão rico quanto o de muitas igrejas das outras seis vilas, cujas naves têm pinturas de artistas famosos do período barroco e os altares abrigam imagens e ornamentações banhadas com pó de ouro. Mas nada disso tira o charme da Igreja de São Francisco de Assis pitanguiense. Por décadas, o local sediou as principais festividades religiosas da cidade, como as barraquinhas, que ocorreram até a década de 1990. A igreja e o adro são temas de divertidas histórias e lendas.
Quem conta uma delas é o turismólogo Leonardo Morato: “Na década de 1980, depois da procissão de um Domingo de Ramos, fiéis se concentraram no adro. À medida que o povo chegava, se espalhavam cheiros de capim-santo, erva-cidreira e demais ramos peculiares à data. Eu, ainda menino, acompanhava tudo com a família. Quando ouvi a primeira badalada do sino da igreja, um enxame de abelhas atacou os fiéis. Ninguém sabia que havia uma colmeia na parte interna do sino. Foi aquele corre-corre, um empurra-empurra danado. Gritaria, desespero, gente se abanando e jogando os ramos no chão...”.
Morato continua a história: “O coroinha se escondeu debaixo do altar e se cobriu com um manto. Só saiu de lá depois que a confusão acabou. Houve quem aproveitou o desespero dos fiéis e aumentou os causos. Teve gente, por exemplo, que viu o seu Luiz da Muleta, infelizmente já falecido, sair correndo. Claro que essa parte é brincadeira, mas o seu Luiz, coitado, caiu no chão e precisou ser socorrido por amigos. Ninguém, graças a Deus, se feriu gravemente”.
Há outros casos e lendas. O escritor Marcos Antônio de Faria, no artigo “Caminhando com a história de Pitangui”, de 2004, escreveu que a igreja “recebeu a consagração eclesiástica entre os anos de 1872 e 1873” e que ela é visitada, frequentemente, por almas penadas: “Contam nossos avós que, de madrugada, quem passava pelas imediações da igreja via uma procissão de pessoas, velas acesas nas mãos, indo em direção a ela, tal qual almas penadas em busca do perdão de seus pecados.”
Conselheiro de dom Pedro
Mais uma novidade que será divulgada aos moradores é a criação da Comenda Belchior, em homenagem ao padre Belchior Pinheiro de Oliveira (1775–1856). O pároco nasceu no antigo Arraial do Tijuco, hoje Diamantina, e viveu por 42 anos em Pitangui – seus restos mortais estão sepultados na escadaria da Matriz de Nossa Senhora do Pilar. Ele entrou para a história como o principal conselheiro de dom Pedro I (1798–1834).
Ele teve participação especial na declaração da independência do Brasil, em 7 de setembro de 1822. Belchior acompanhou o príncipe regente, na viagem de Santos a São Paulo, quando Dom Pedro recebeu cartas informando que Portugal exigia seu retorno à Europa. Irritado com a pressão, o regente pediu um conselho ao padre. Às margens do Riacho Ipiranga, Belchior aconselhou ao príncipe a declarar a independência: “Se Vossa Alteza não se faz rei do Brasil, será prisioneiro das cortes e, talvez, deserdado por elas. Não há outro caminho senão a independência e a separação”. A frase se destaca na lápide do conselheiro.
SAIBA MAIS: PATRIMÔNIO PERDIDO
Pitangui é terra de Gustavo Capanema, o político que fundou o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Curiosamente, muitas edificações antigas da cidade foram jogadas ao chão, sobretudo nas décadas de 1980 e 1990, quando boa parte dos moradores do município não tinha consciência da importância histórica dos imóveis. As imagens do antigo cinema, por exemplo, só restam em fotografias. Outros casarões, erguidos no fim do século 19 e no início do 20, também não existem mais. Para evitar que o restante do patrimônio fosse perdido, o Iepha tombou, em 2010, todo o Centro Histórico de Pitangui, incluindo o imponente Casarão do Monsenhor, todo recuperado (foto).
LINHA DO TEMPO
– Fim do século 17: Bandeirantes paulistas descobrem ouro na região de Pitangui
– 1715: Cidade é elevada à categoria de vila do ouro
– 1850: Início da construção da Igreja São Francisco de Assis
– 1811: Instalado numa das torres o relógio enviado pela coroa portuguesa
– 1862: Implantação do sino, também vindo de Portugal
– 2002: Problemas na estrutura obrigam o fechamento do templo
– 2010: Início da obra de reforma da igreja
– 2014: Previsão da igreja ser reaberta aos fiéis