Imagine um quebra-cabeça de milhares de peçasQuem trabalha para recuperar parte da exposição do Museu de Ciências Naturais da PUC Minas, destruída por um incêndio em janeiro, faz com amor e muito detalhe cada intervençãoSão quatro biólogos e dois artistas plásticos, além dos estagiários, que correm contra o tempo para tentar reabrir a casa em julhoÉ tudo tão minucioso que corre o risco de atrasarNos dias que se seguiram àquela noite de 22 de janeiro, quando um curto-circuito provocou as chamas, muitos voluntários se mostraram dispostos a ajudar, mas os reparos exigiam conhecimentoQuando abrir as portas novamente, o gorila Idi Amin já estará expostoUm especialista da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) de São Carlos, interior paulista, termina o tratamento especial com pelos do mamífero, que vão recobrir um corpo feito de resina nas mesmas medidas do mamífero que viveu no zoológico de BH.
No ateliê onde se trabalha ouvindo músicas instrumentais, os artistas usam moldes de silicone líquido para alcançar a textura da pele da preguiça gigante de quatro metros de alturaO animal ficava preso ao teto por cabos de aço, que se romperam por causa do calorAssim, o crânio da preguiça acabou espatifado no chão e derreteuForam 45 dias para refazer todos os ossos, quando o trabalho complexo normalmente levaria dois meses e meioA partir das orientações dos estudiosos, os artistas colocam a mão na massa para construir com resina toda a estrutura da preguiça com mais de cem peças
“Foi uma destruição muito grandeAchávamos que teríamos perdido toda a exposição, mas a grande preocupação era a coleção de mais de 70 mil fósseis que temos na paleontologiaPelo menos não perdemos os originais, diferentemente do que aconteceu no Butantan (em maio de 2010)Qualquer valor mais alto que se fale, não paga isso aquiÉ a parte mais valiosa do museu”, considera Bonifácio Teixeira, coordenador do museu, lembrando que há oito coleções de fósseis que compõem o maior acervo das Américas“A réplica da preguiça talvez tenha sido o maior estrago pelo tamanho e por ser um símbolo do museu, mas conseguimos refazê-la completamente com trabalho manual”, explica
Numa outra sala, perto da reserva técnica, onde ficam animais empalhados e uma variedade enorme de ossos de animais, há a grande coluna de um dinossauro Uberaba Titan sendo recuperadaOs ossos estão marcados com números e acompanham as estruturas da região do tóraxEm alguns pontos, ferragens grossas seguram o esqueleto, mas áreas danificadas que não podem ser reparadas ganharam cola
Andares
Ali também ganham vida os pterossauros de 4,5 metros que ficavam no primeiro andar do museu e se quebraram, precisando de uma ferragem grossa para sustentá-los por dentro e até de cola tipo durepox em partes que não puderam ser recuperadasO boto também está sendo recomposto, a pele dele sofreu danos e ficou enrugadaEle estava no terceiro andar, área mais atingida pelo calor e pela fumaçaPor dentro, a palha precisou ser retirada e os artistas usaram massa para esculpir o mamífero e lixá-loA restauração dos animais danificados chega a 65%As espécies da fauna contemporânea ficaram impregnadas com tanta fuligem, assim como as conchas expostas no terceiro andarDescobriu-se, depois de muita pesquisa, que detergentes do tipo limpa vidros servem muito bem para lavar as penas
Recuperação vai custar R$ 2,3 milhões
Três empresas foram contratadas pela PUC-Minas para fazer a recuperação, num investimento que deve superar R$ 2,3 milhõesAproveitando o fechamento, o prédio passa por uma reforma geral, com pintura externa, retirada das trincas e troca de todo o projeto elétrico, que agora ficará por fora do edifícioAs venezianas, que também derreteram, ainda serão trocadasO museu tem seguro, mas, segundo o coordenador Bonifácio Teixeira, há muita burocracia para pagar cada intervenção e, por isso, a universidade será reembolsada depoisO cenário da caverna já foi restaurado com o mesmo material, feito de polpa de papel, cimento, gesso e boroDuas grandes pinturas do primeiro andar também ficaram muito sujas e já foram recuperadas pelo próprio autor
Os laboratórios de mastozoologia (mamíferos) e a reserva técnica do museu, com réplicas feitas sob encomenda e distribuídas para museus do mundo todo, não sofreram abalosApesar da energia cortada, naquele dia, a câmara fria onde o gorila Idi Amin estava sendo empalhado foi mantida em pleno funcionamento por geradoresNo escritório do Lund, a vidraça caiu mas os móveis, uma mesa de madeira com cadeira e banquinho, não foram atingidosFicaram muito sujos, mas agora só falta limpar a cruz que ficava na paredeRestauradores de madeira foram contratados para o trabalho e conseguiram recuperar a arca que veio da Dinamarca com as peças de Lund doadas pela família deleOs jornais que embrulharam essas peças também estão preservados.
Sem visita das crianças
Os cenários de gesso onde as peças eram expostas no segundo andar foram completamente destruídos, restando apenas as estruturas metálicasAté corrimãos das escadas derreteram e algumas pedras de granito dos pisos se quebraramAs chamas provocaram muita fumaçaComo o museu de seis metros de altura não tem janelas, o combate ao fogo pelos bombeiros foi mais fácil, mas não impediu que a fuligem atingisse o terceiro andar, espaço dos animais da fauna contemporânea
“Nosso grande prejuízo foi a visita das crianças que deixamos de receber: são cerca de 50 mil crianças por ano”, lamenta Bonifácio Teixeira, que diariamente sobe e desce as escadas do museu para acompanhar tudo de perto pelo menos quatro vezes por dia“Sempre acho que falta alguma coisa para fazerAinda teremos a fase mais demorada, de trazer todos os conjuntos dos esqueletos de volta, para montá-los aqui dentroO que nos faz correr contra o tempo é a equipe motivada, que assumiu a restauração com força total e muito orgulho”Segundo Bonifácio, a partir de agosto, haverá concerto aos domingos numa sala anexa, o que deve incentivar a abertura do museu também
MEMÓRIA: Curto-circuito no segundo andar
Na tarde de 22 de janeiro deste ano, o segundo andar do Museu de História Natural da PUC Minas foi tomado pela chamasO incêndio começou na fiação do ambiente que recria a caverna de origem calcária, instalada no espaço que homenageia o paleontólogo dinamarquês Peter Lund, no segundo andarEra ali que ficava o tatu gigante, uma réplica com pequenos fósseis únicos de cerca de 8 mil anosEssas peças estavam fixadas com cola quente no casco do tatu, animal encontrado na Gruta dos Brejões, na Bahia, mas o calor do incêndio fez todas elas soltaremNenhuma é igual a outraTodas têm encaixes perfeitos, se colocadas no lugar certoO prédio fica no câmpus do Coração Eucarístico