No dia seguinte aos ataques com pedras e foguetes e aos saques nos arredores da Avenida Antônio Carlos, moradores e funcionários de empresas da região ainda tentavam se recuperar do susto de ficar entre policiais e manifestantes
Edimar Ferreira, de 49 anos, foi um delesNo dia do jogo, ele dispensou os empregados de sua borracharia, na Rua Leopoldino dos Passos, que seria ocupada pela políciaComo mora no andar de cima, decidiu ficar ali por perto, de olho no imóvel“Tem muito material inflamável na borracharia, como pneus e colaSe pegasse fogo lá, ia queimar minha casa toda”, disseO receio de Edimar tinha fundamento.
Ao ser expulso pela PM da Avenida Abrahão Caram, um grupo levou o confronto justamente para a Rua Leopoldino dos Passos, onde a PM estava postadaUma fogueira foi feita com tapumes e madeira usada para lacrar as concessionárias próximas, a menos de 50 metros da borrachariaA agressividade aumentava enquanto policiais tentavam espantar o grupo com bombas de gás lacrimogêneo e os baderneiros atiravam pedras e foguetes“Não pude mais ficar na borrachariaMinha única opção foi correr para dentro da UFMG (as salas da Faculdade de Belas-Artes que funcionam no prédio vizinho), já que de um lado da rua estava a PM e do outro, os baderneiros”, lembra.
O porteiro do prédio da faculdade, Moisés Ferreira Rocha, de 49, permitiu a entrada do borracheiro
Porém, os dois acabaram encurraladosAs janelas do edifício foram despedaçadas no confrontoCentenas de pedras ficaram espalhadas nos corredores e dependências da escola, que suspendeu as aulas ontem“Primeiro, a gente achou que ia ser atingidoAí, quando começou o fogo, lembramos que o prédio era da UFMGPor ser do governo, ficamos com medo de que tentassem botar fogo com a gente dentro”, conta MoisésA situação piorou quando as bombas da gás lacrimogêneo estouraram por perto e a fumaça invadiu o edifício“Se a gente tentasse sair seria apedrejado, a solução foi sair correndo com os olhos turvos, tossindo, até um quarto, que era mais fechadoFicamos rezando para sair sem ferimentos”, lembra o porteiro.
Ganha-pão A empresária Ana Paula Rabelo Freitas, de 44 anos, também tentava se recuperar dos momentos de tensão do dia anteriorComo mostrou o EM ontem, ao ver que a estamparia da família estava sendo invadida por saqueadores, ela e o filho, de 17, correram para tentar impedir a ação dos vândalos
“Já cheguei chorando, segurando os ladrões pelos ombros e implorando para que não roubassem nem destruíssem nadaAquele é o nosso ganha-pão”, lembraAlguns manifestantes se sensibilizaram e foram embora e outros fugiram levando monitores de computador e suprimentos do escritório“Foi então que meu filho chegou gritando, dizendo que a polícia estava chegandoIsso fez com que o resto se fosse”, conta“Já passei por tudoTive medo, tive raiva, agora estou processandoAcho justas as manifestações, mas roubos e vandalismo não vão mudar o país”, considera.
Moradores da região também ficaram com medoO prédio do aposentado Roberto Antônio Estêves, de 61 anos, foi abandonado diante da possibilidade de vandalismoO edifício fica na Rua Noraldino Lima, dentro da zona de confrontos“Fui para Sabará e fiquei na casa da minha irmãDa televisão via as bombas, os saques e as depredaçõesToda hora achava que invadiriam minha casa”, contaAo chegar em casa, o aposentado viu a garagem cheia de pedras, garrafas quebradas e cápsulas de bombas de gás lacrimogêneo“Estava aliviado de nada ter sido quebrado, até entrar dentro de casa e sentir os olhos ardendo como fogo”, lamenta.