
O coração de Belo Horizonte pulsa, ao longo dos anos, movido pelo vaivém cotidiano de milhares de pessoas e, de tempos em tempos, pela concentração de multidões. A Praça Sete, marco da capital, é também o palco de momentos importantes, com mobilizações sociais, políticas e culturais. Manifestações que deixaram marcas na história pela amplitude das ações ou pelo clima de tensão que tomou conta da cidade. No centro de tudo isso, o obelisco e os quarteirões fechados são ocupados pelo povo seja para celebrar conquistas, seja para reivindicações ou disputas. Quais motivos levariam o povo a eleger a praça como ponto de convergência de tantas vozes e necessidades ou de confrontos, como os registrados nos últimos dias?
Um dos primeiros registros de um ato popular na Praça Sete data de mais de 70 anos atrás, em agosto de 1942, quando diversos setores da sociedade se organizaram em apoio à entrada do Brasil na II Guerra Mundial. Naquele ano, poucos meses antes, o Pirulito foi o cenário de aglomeração daqueles que protestavam contra o torpedeamento dos navios brasileiros, dando a oradores espaço para clamar pela entrada do país no conflito. “Daquele dia em diante, as manifestações não pararam e, com elas, vieram os saques e quebra-quebras generalizados na cidade. A chefia de polícia compôs uma lista de nomes e endereços de pessoas ligadas ao Eixo e, acompanhada de manifestantes, ocupou casas e saqueou lojas no Centro”, afirma o professor na dissertação.
Ocupação
A década de 1950 foi marcada por campanhas salariais de bancários, que estiveram na praça pela primeira vez em 1946, na primeira greve da categoria, que durou 19 dias. O clima de manifestações teve também momentos inusitados, como em 1961, quando foi marcado um grande comício na cidade, com a promessa de que Fidel Castro viria falar a operários e estudantes. Fabiano Magalhães cita um relato sobre o desfecho da cena: “Às 6h da tarde, na Praça Sete, surge Teotônio dos Santos Júnior (um líder estudantil) vestido de Fidel, com barba, charuto e tudo. Não disse duas palavras. A TFP (Tradição Família e Propriedade), o Dops (Departamento de Ordem Política e Social, da Secretaria de Segurança Pública) e não sei mais quem botaram todo mundo a correr, quebrando cartazes e queimando faixas, cantando o hino nacional, enquanto “Fidel”, sem fôlego, quase nu, chegava esbaforido ao topo das escadarias do DCE (Diretório Central dos Estudantes)”.
E acrescenta: “A Praça Sete era o espaço de iniciação daqueles que queriam questionar o sistema. O primeiro ato de ousadia era marcar suas posições políticas no espaço público do protesto”, defende o professor. Mas, naqueles tempos, as vozes que evocavam democracia viviam momento delicado. O sociólogo lembra que naquela época o Dops intensificava a repressão, com prisão de ativistas e a proibição de passeatas. Manifestações só eram possíveis com a autorização do Dops, o que frequentemente era negado. Um dos confrontos mais violentos foi a greve dos motoristas em 1963, cuja passeata foi dispersada pela polícia de forma violenta. Houve 35 prisões. Naquele momento, estava claro que a praça não estava tão aberta assim, pelo menos em matéria de protestos.
LINHA DO TEMPO
1942
Movimento reivindica entrada do Brasil na Guerra Mundial. Militantes comunistas fizeram campanhas
1951
Concentração de bancários em campanha salarial
1962
Agitação de estudantes, com prisões e quebra-quebra
1984
Campanha das Diretas Já começa tímida, mas depois ocupa a Praça Sete e reúne 1 milhão de pessoas
1985
Manifestação da Tradição Família e Propriedade (TFP). A CUT revida com bandeiras vermelhas
1992
Manifestação Basta Collor, comandada por bancários
2001
Protesto dos perueiros com confronto com a polícia, feridos e presos
2013
Manifestações pacíficas por mudanças no Brasil. Depredação e violência
PALAVRA DE ESPECIALISTA
Espaço de atenção
Ricardo Ferreira Ribeiro
Professor do Departamento de Ciências Sociais da PUC Minas
“Fazer manifestação na Praça Sete é chamar atenção para a questão social que se levanta, porque é por onde as pessoas passam. Boa parte dos ônibus passam pelo Centro, pela Avenida Afonso Pena ou Amazonas. É realmente o coração da cidade. Já nos anos 1940 e 1950, ela recebia manifestações, no pós-Estado Novo. Naquela época, também havia problemas de transporte com os bondes. E, como ocorre hoje, havia algumas manifestações por causa do preço da passagem. Atualmente, somando-se às questões políticas e sociais, temos ainda toda uma tradição dos teatros e das manifestações culturais. Mas na Praça Sete qualquer coisa vai fechar o Centro, afetando a cidade como um todo. Ela gera transtornos em todo o trânsito da capital. Ali há todo um corredor. Você passa por ela em direção à prefeitura e sobe para a Praça da Liberdade, símbolos do poder. A Afonso Pena é a grande avenida da cidade. É onde ela efetivamente se encontra”.
