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Estado de Minas

Com torneio da Fifa perto do fim, manifestantes estão em clima de decisão

As opiniões variam da defesa de pausa para respostas institucionais à previsão de mais protestos


postado em 30/06/2013 00:12 / atualizado em 30/06/2013 07:11

Sandra Kiefer

Manifestantes tomam conta da Avenida Antônio Carlos: antes dos confrontos com a Polícia Militar, um exemplo de participação popular pacífica(foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)
Manifestantes tomam conta da Avenida Antônio Carlos: antes dos confrontos com a Polícia Militar, um exemplo de participação popular pacífica (foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)


“Tinha uma Copa no meio do caminho/No meio da Copa, achamos um caminho.” A paródia aos versos do poeta mineiro Carlos Drummond de Andrade é de autor desconhecido. Estava escrita  no tapume pregado no posto do Psiu da Praça Sete, no Centro de Belo Horizonte, ponto de concentração dos manifestantes. Hoje o Brasil entra em campo para o último jogo da Copa das Confederações, de acordo com o calendário da Fifa. Quase duas semanas depois do início dos protestos que acompanharam o torneio, com a natural redução da visibilidade do movimento na imprensa mundial, muitos se perguntam se chegou a hora de dar uma pausa também no evento paralelo, entre militantes apelidado de Copa das Manifestações.

Nas assembleias lideradas pelo Comitê dos Atingidos pela Copa, a proposta mais aceita prevê a realização de pelo menos uma manifestação por mês na cidade, até a Copa de 2014. “As passeatas tendem a diminuir, mas não acredito que vá haver uma acomodação do movimento com o fim da Copa. Participo das assembleias e sinto muita energia circulando, capaz de manter a chama por mais tempo”, analisa Marlise Matos, professora do Departamento de Ciência Política da UFMG.

Segundo ela, na semana passada os jovens escolheram 10 grupos de trabalho sobre questões que permanecem pendentes, como reforma política ou saúde e educação de qualidade. “As questões não se esgotam na Copa, mas os jovens se indignaram ao perceber ter havido investimentos em estádios sem a contrapartida dos benefícios no transporte público e da mobilidade urbana que haviam sido prometidos.”

A coordenadora-geral do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da UFMG, Nathália Ferreira Guimarães, de 20 anos, é mais ponderada em relação à continuidade dos protestos. “Espero estar errada, mas acredito que as manifestações vão dar uma esfriada. Não se trata de desmobilização, mas somente de dar uma pausa, porque a indignação continua”, avalia. Segundo a estudante, é difícil prever os rumos do movimento. “Nós, que somos estudantes das ciências sociais, estamos quebrando a cabeça para entender em que vai dar isso. Só posso dizer que a galera foi para as ruas e gostou, porque deu resultado”, completa.

Para o filósofo Robson Sávio, responsável por coletar o histórico depoimento da presidente Dilma Rousseff como vítima de tortura em Juiz de Fora, por meio do Conselho Estadual de Direitos Humanos de Minas Gerais, há uma hora de plantar e outra de colher. “Uma situação de descontrole a médio e longo prazo pode colocar em risco a ordem democrática no país, pois as instituições começam a não responder mais. Neste momento, é preciso dar tempo às instituições para processarem essas tantas demandas”, alerta. Para ele, houve avanços palpáveis. “A presidente apresentou propostas, o Congresso votou projetos, o Supremo mandou prender um deputado. Depois do choque de cidadania, a classe política percebeu que não é possível continuar desdenhando do povo, mas é preciso que a população tenha algum tipo de paciência para evitar a deslegitimização do movimento”, diz.

Duas semanas que fizeram história

Nunca antes na história deste país R$ 0,20 renderam tanto. A passeata promovida por integrantes do Movimento Passe Livre (MPL) contra o aumento da passagem de ônibus de R$ 3 para R$ 3,20 em São Paulo, reprimida com violência policial em 13 de junho, funcionaria como o estopim do barril de pólvora que iria estourar em todo o Brasil. Dois dias depois, em 15 de junho, na abertura da Copa das Confederações, durante o jogo Brasil e Japão no Estádio Mané Garrincha, em Brasília, 8 mil estudantes saíram às ruas em Belo Horizonte, unidos por várias causas.

Desde então, em 15 dias seguidos, os jovens não pararam mais de caminhar e de protestar pelas ruas da cidade, a qualquer dia e hora, no melhor estilo flash mobs, como são chamadas as aglomerações instantâneas combinadas por meio das redes sociais. Desta vez, porém, o foco dos eventos não é a diversão e o entretenimento. “Em sala de aula e nas manifestações onde estive, percebo o brilho nos olhos dos jovens. Eles estão se sentindo capazes de intervir na realidade”, avalia Marlise Matos, professora de ciência política da UFMG. Para ela, os estudantes assumiram o protagonismo dos movimentos sociais no país. É o lado positivo de uma mobilização que também teve violência, feridos e, no caso de Belo Horizonte, um morto e prejuízos calculados na casa dos milhões, devido a atos de vandalismo protagonizados por uma minoria, mas que também entrarão para a história da capital.

Porém, descontado esse aspecto sombrio, o fato é que em 15 dias o Brasil andou como há muito não se via. Entre as conquistas estão redução do preço das passagens; a derrubada da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 37, que tiraria o poder de investigação do Ministério Público; a destinação de 75% dos royalties do petróleo para a educação e dos 25% restantes para a área da saúde; a aprovação do projeto que classifica a corrupção como crime hediondo; e a discussão do plebiscito pela reforma política. Só esta última proposta estava parada havia 20 anos no Congresso. “Não tem essa história de que o gigante acordou. Nossa pauta de reivindicações é que é gigantesca”, defende Lincoln Emannuel, presidente da Associação Municipal dos Estudantes Secundaristas (Ames-BH).

Depois do começo desorganizado, o movimento tenta se articular. Em assembleias realizadas embaixo do Viaduto Santa Tereza, no Centro da cidade, o Comitê Popular dos Atingidos pela Copa (Copac) tirou 10 comissões técnicas, que debatem temas como transporte público e o direito à educação e saúde de qualidade. Nas manifestações de maior porte, como a do dia 22, que levou 100 mil pessoas até a Avenida Antônio Carlos, houve representações dos movimentos dos sem-terra, da luta pela moradia e de sindicatos.

Ontem, os jovens se levantaram antes das 7h da manhã para ocupar a Câmara de BH, exigindo maior redução das passagens na capital, além dos R$ 0,05 anunciados pelo prefeito Marcio Lacerda via isenção de ISS e dos outros R$ 0,05 previstos pela BHTrans, via isenção da taxa de fiscalização. “A pressão vai continuar”, garante Lincoln Emannuel, um dos coordenadores da comissão de transporte da Copac, que quer ainda uma auditoria nas planilhas das empresas de ônibus. Em Minas, os manifestos provocaram redução média de R$ 0,25 nas passagens em pelo menos 10 cidades, além da queda de R$ 0,15 nas tarifas de 34 linhas metropolitanas, autorizada pelo governo do estado.

ERROS Para não dizer que só se falou das flores, apenas a primeira manifestação, no sábado de abertura da Copa, foi estritamente pacífica na capital mineira. Já na segunda-feira, dia 17, houve confronto na passeata até o Mineirão, onde ocorria o jogo Taiti e Nigéria. Durante os conflitos, vários jovens despencaram do Viaduto José Alencar, onde foi montado bloqueio pela Polícia Militar, mas a primeira morte aconteceria no dia 24, com a queda do jovem metalúrgico Douglas Henrique de Oliveira, de 21 anos. “O Brasil está reaprendendo a se manifestar e aconteceu muita coisa errada também. Mas não há como aprender sem errar”, diz o doutor em direito constitucional Alexandre Bahia, de 35 anos, professor do Ibmec e da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop). Segundo ele, passado o primeiro impacto, os movimentos tendem a se institucionalizar um pouco mais. “Outra mudança é que, nas próximas eleições, os partidos políticos terão de encampar pautas mais concretas, como a defesa do passe livre”, completa.

ESCALADA DA MOBILIZAÇÃO

15 de junho

Com um discurso de apoio aos manifestantes do Movimento Passe Livre, que sofreram repressão policial em São Paulo no dia 13, Belo Horizonte teve seu primeiro dia de protesto. Oito mil pessoas caminharam por ruas e avenidas da Savassi e do Centro de forma pacífica. Nas redes sociais, os belo-horizontinos enalteceram a atuação da Polícia Militar.

17 de junho

Cerca de 20 mil pessoas marcharam até próximo ao Mineirão, onde Nigéria e Taiti se enfrentaram pela Copa das Confederações. Diante da insistência da multidão em chegar ao estádio, houve confronto com a polícia e pelo menos seis pessoas ficaram feridas. Entre elas, um adolescente de 18 anos que caiu do Viaduto José Alencar e uma jovem de 21 que caiu da Trincheira Santa Rosa. Cinco manifestantes foram presos.

18 de junho

Uma onda de vandalismo ofuscou o tom pacífico dos 10 mil manifestantes que percorreram ruas do Centro e da Pampulha. Um grupo de encapuzados jogou bombas e tentou quebrar a porta da prefeitura. Disperso da mobilização que ocorria simultaneamente na Praça da Liberdade, outro grupo destruiu o Relógio da Copa. Bancos e lojas foram depredados e saqueados. Não havia policiamento nas imediações.

19 de junho

O pedido para um protesto sem violência foi o principal motivo para que 10 mil pessoas caminhassem durante 10 horas de manifestação. A Polícia Militar ficou atenta à atuação de vândalos e 12 pessoas foram presas em flagrante por depredação. A marcha teve início na Praça Sete, se estendendo para o Viaduto Santa Tereza, a Praça da Assembleia e outras regiões.

20 de junho

Pelo menos 20 mil pessoas se reuniram com reivindicações variadas. A manifestação se concentrou no Centro e em frente à Câmara Municipal. Um grupo de mascarados voltou a agir e soltou bombas no meio da multidão. Quatro pessoas foram presas.

22 de junho

Novamente a Pampulha foi palco de confrontos entre manifestantes e a Polícia Militar. Uma multidão com quase 100 mil pessoas ocupava a região do estádio do Mineirão quando grupos invadiram a delimitação preestabelecida pela Fifa. Vândalos depredaram concessionárias da Avenida Antônio Carlos e deixaram um rastro de destruição pela Região Central. Pelo menos 27 pessoas ficaram feridas, sendo quatro delas em estado grave. De acordo com a PM, 32 pessoas foram presas.

26 de junho

Cerca de 50 mil pessoas seguiram novamente da Praça Sete até a Pampulha. Impedidos de passar pelo bloqueio na Avenida Antônio Abrahão Caram, grupos de manifestantes arrasaram a Avenida Antônio Carlos. Lojas foram totalmente depredadas e saqueadas. Cerca de 30 pessoas foram detidas e pelo menos 15 ficaram feridas. Um manifestante que caiu do Viaduto José Alencar morreu.




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