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Estado de Minas

Jovem que caiu do Viaduto José Alencar é o retrato das manifestações

Mãe do jovem morto ao cair de viaduto em BH fala da dor da perda, mas também diz que a morte do filho não foi em vão


postado em 30/06/2013 00:12 / atualizado em 30/06/2013 08:20

Flávia Ayer e Arnaldo Viana


Neide Caetano de Oliveira, mãe de Douglas, se agarra à santa de sua devoção para superar a dor de perder um filho(foto: Beto Novaes/EM/D.A Press)
Neide Caetano de Oliveira, mãe de Douglas, se agarra à santa de sua devoção para superar a dor de perder um filho (foto: Beto Novaes/EM/D.A Press)
Era 1992. Milhares de jovens saíam às ruas de caras pintadas para protestar contra a corrupção e pedir a saída do então presidente Fernando Collor de Mello. Douglas Henrique de Oliveira Souza, de 21 anos, nasceu nesse contexto de indignação. Criado sozinho pela mãe, empregada doméstica, cresceu numa realidade dura e que lhe deu motivos de sobra para sair de casa na última quarta-feira para lutar por um país melhor. Morreu ao cair do Viaduto José Alencar, na Pampulha, em meio aos gritos de protestos. Sua voz se calou na multidão, mas jamais deveria deixar de ser ouvida. Sem vínculos políticos ou partidários, Douglas é o povo brasileiro e a razão de ser das manifestações que tomaram o país nas últimas semanas.

A morte do jovem, que virou ferida aberta no coração da família simples, tem todos os motivos para se transformar em bandeira de luta de uma nação. Douglas nasceu em Oliveira, no Centro-Oeste de Minas, e, depois da separação dos pais, se mudou com a mãe para Curvelo, na Região Central. Moraram de favor em uma casa cedida por instituição de caridade até a conclusão da moradia no fundo da casa dos avós. Chefe de família, Neide Caetano de Oliveira, de 43, sempre se virou como pôde, teve salão de beleza em casa, trabalhou como cozinheira em presídio, é empregada doméstica.

“Nunca deixei faltar nada e sempre prezei por uma boa alimentação: nunca servi um prato só com arroz e feijão para meus três filhos”, ressalta Neide, que recebeu ontem em sua casa a reportagem do Estado de Minas, um dia depois de enterrar o filho, em Curvelo. Foi na tentativa de melhorar de vida que, assim como outros milhares, a família se mudou há dois anos do interior de Minas para Contagem, na região metropolitana. “Queria que meus filhos tivessem mais oportunidades”, conta.

O jovem sempre estudou em escola pública e não concluiu o ensino fundamental. Aos 14 anos, começou a trabalhar e no currículo trazia profissões como borracheiro, lavador de carros, repositor de mercadorias em supermercado, professor de dança. Havia seis meses, trabalhava como auxiliar numa transportadora, mas estava entusiasmado com a possibilidade de fazer um curso de segurança. Pela primeira vez, o rapaz teve a chance de ter um plano de saúde e não depender dos hospitais públicos.

Aliás, nunca pôde corrigir uma adenoide que lhe atrapalhava a respiração porque jamais conseguiu marcar a cirurgia eletiva. E, antes de sair para a manifestação, lembrou à mãe que não dá mais para aceitar a situação da saúde no país. “A última vez que levei minha filha ao posto de saúde tive que chamar a polícia para ela ser atendida. Meu irmão ficou caído no corredor de um hospital com um tumor na cabeça porque não tinha uma guia de autorização para a internação”, conta Neide, agarrada a Nossa Senhora Aparecida, sua santa de devoção.

(foto: Facebook/Reprodução)
(foto: Facebook/Reprodução)
A persistência de m batalhador


Douglas era um brasileiro daqueles persistentes. Acordava às 5h para pegar serviço às 6h. Ganhava R$ 800 e entregava um quarto do salário à mãe para ajudar em casa. Com o restante, pagava suas despesas e o consórcio de uma motocicleta. Desde a mudança da irmã caçula, Sara, de 12 anos, em fevereiro para Contagem, Douglas deixou o quarto da mãe e passou a dormir na sala, pois no outro quarto dormiam a outra irmã, Letícia, e a sobrinha, de 4 anos. Na manhã de quarta-feira, Neide chegou a prometer que, assim que tirasse férias, no mês que vem, procuraria outra casa para alugar, de três quartos.

Vaidoso que era, não abria mão da academia. Também amava dançar, mas andava um pouco incomodado. Com o início das manifestações pelo Brasil, Douglas foi envolvido por esse sentimento de indignação. No Facebook, convocava os amigos para irem às ruas. “Ele falava que era tudo muito difícil para a gente. As oportunidades são poucas para quem tem menos condição”, conta o amigo Thiago Silva, de 22, que também estava na manifestação e testemunhou a queda do amigo.

Sem ligações a movimentos ou partidos, Douglas só queria mudar o Brasil, que lhe dificultou tanto a vida. E hoje Neide, que acompanhou o resgate dramático do filho pela televisão, só quer tê-lo ao seu lado de volta. “Mas agora meu filho está deitado em berço esplêndido, quietinho no meu coração. Vou sentir falta do beijo, do abraço e do carinho que ele me dava todos os dias. E, se estou agora falando sobre a morte dele, é para mostrar que não foi em vão”, conta. E prefere não procurar culpados: “Quero aprender a não julgar os outros, como fazia meu filho”, diz.

PROTESTO A família está organizando protesto em memória do rapaz e vai estender a faixa em cima do viaduto, de onde outras cinco pessoas caíram. “Ele merece todas as homenagens do mundo, nada vai trazê-lo de volta. Queremos mostrar para o mundo como o Douglas era especial, como está fazendo falta, e que não era mais um na multidão, era o nosso Douglas”, diz Neide. Menino que jamais cruzou as divisas de Minas, Douglas não realizou o sonho de conhecer o mar, não chegou a fazer o curso de segurança, nunca será sorteado no consórcio da moto. Mas quem sabe realizem por ele o sonho de um país melhor?

 

Memória

 

O acidente

 

Douglas Henrique de Oliveira Souza, de 21 anos, caiu na sexta-feira do Viaduto José Alencar, que faz a ligação entre as avenidas Antônio Carlos e Abrahão Caram. Ele tentava pular a mureta para alcançar a outra pista, mas não viu o buraco entre as duas estruturas do elevado. Um desnível entre as pistas gera a falsa impressão de que elas são unidas. Advertida sobre o risco, a prefeitura instalou grades nas cabeceiras, mas deixou as laterais sem proteção. Ao todo, seis pessoas caíram do viaduto durante protestos.



E assim dala a multidão...


Vem, vamos embora, que esperar não é saber, quem sabe faz a hora, não espera acontecer.
(Geraldo Vandré)

Ao contrário do que Vandré cantou, esperou-se muito na fila da cidadania. Ninguém desceu as escadas dos palácios, do Parlamento para conversar, acontecer. E, então, em certa noite, na garagem, na sala, no jardim, na escola, na calçada eles escreveram frases em faixas, folhas de papelão, no rosto, no peito. Havia chegado a hora.

Hoje eu vou sambar na pista, você vai de galeria. Quero que você me assista na mais fina companhia.
(Chico Buarque de Hollanda)

Dia seguinte, bem devagarinho, foram tomando avenidas, ruas, praças. Não propriamente para sambar, para festejar. E, sim, para dizer ao senhores e senhoras, de todos os poderes, que estavam lá para que fossem ouvidos e recebidos. O recado não foi prontamente entendido. Afinal, não é comum um pedido de audiência da multidão.

Mas se desejarmos fortemente o melhor e, principalmente, lutarmos pelo melhor... O melhor vai se instalar em nossa vida.
(Carlos Drummond de Andrade)

Caras pintadas, roupas coloridas, tênis, vontade, alegria e bandeiras continuaram caminhando. Nos corações e mentes, o desejo de respostas. Entre eles, os poucos que não desejam a paz, as conquistas e, sim, a desordem. Mas não se intimida um sonho, ainda mais um sonho coletivo. E a resposta, enfim, começou a vir dos gabinetes, dos plenários. E ainda faltam tantas…

Quero a alegria. muita gente feliz. Quero que a justiça reine em meu país. Quero a liberdade, quero o vinho e o pão
(Milton Nascimento)

E que assim seja…


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