A poucos minutos das 22h de domingo, um grupo de jovens está sentado na grama em frente ao prédio da Câmara de BH, em meio a barracas, redes estendidas e um piano pintado com desenhos infantis. “Vamos fugir/Deste lugar, baby/Vamos fugir...”, cantavam. Enquanto no hall da Casa parte da ocupação se prepara para dormir, no jardim a música faz a alegria dos mais dispostos. Ambulantes faturam com a ocupação, como o vendedor de cerveja Noézio de Araújo, que carregou a Kombi e partiu de Santa Luzia. O latão custa R$ 4. “Já vendi uns 100 e vou ficar até amanhecer”, garantia ele, pouco depois da meia-noite.
Passa de 1h30. Um rapaz carrega uma garrafa térmica com cinco litros de café e oferece a todos. Com os primeiros raios do sol, às 6h, é a vez de tocarem o hino da geração dos pais de muitos dos que estão ali: “Vem, vamos embora/Que esperar não é saber/Quem sabe faz a hora/Não espera acontecer”. Enquanto isso, outros despertam para a segunda-feira. Alguns mostram com olheiras que o sono não foi longo, nem confortável.
No café da manhã, biscoitos, pães, manteiga, achocolatado, café com leite, frutas. No almoço, risoto de atum, arroz branco, salada e legumes cozidos. A aposentada Maria da Conceição Sales, de 53 anos, foi uma das primeiras a se servir. Ela saiu da faculdade onde estuda direito e decidiu pernoitar com os ocupantes. “Se a gente quer mudança, tem que participar. O que eles pedem é justo”, defende.
Ao longo do dia, a “comunidade” recebe visitas de apoiadores e curiosos. A faxineira Daiane Carvalho, de 26, estava acompanhada da filha, Laura, de 5. “Como é que é? Eles ficam aí o tempo todo?”, questionava a mãe, que diz apoiar o movimento. “A maioria aí é filho de rico. Não está fazendo por eles, é mais por nós, que temos condição financeira pior”, acredita.
As doações já são tantas que a turma pensa em encaminhar o excedente a instituições de caridade. “Muita gente pergunta se estamos precisando de alguma coisa”, conta Luiza Batista, de 23, que faz pré-vestibular e integra a comissão de alimentação, uma das quatro existentes – as outras são de comunicação, limpeza e segurança. Outros se oferecem para ministrar oficinas. A coordenadora do Núcleo Mineiro de Auditoria Cidadã da Dívida, Eulália Alvarenga, apresentou ontem uma aula sobre taxação do transporte coletivo em BH.
A convivência com os seguranças da Câmara nem sempre é amistosa. Na manhã de ontem, ocupantes reclamaram que os funcionários haviam feito muito barulho enquanto a maioria ainda dormia. “Eles são muito organizados, só tem gente de bem. Só picharam os banheiros”, disse o chefe da Segurança, Gilson Gomes. Alguns homens da equipe estão no trabalho desde sábado. “Só saímos quando eles saírem. Temos uma salinha com colchonetes, mas não dá pra dormir muito. Tomamos muito café para aguentar”, diz. Os seguranças não aceitam refeições ofertadas pelos ocupantes, o que Gilson explica com uma piada: “Podem botar sonífero”.