Jornal Estado de Minas

Comissões diferentes dominam sede do Legislativo na capital

Câmara de BH é dominada por ocupantes que se organizam para dar conta de política, trabalho, festejos e problemas de convivência

Tiago de Holanda
Desde sábado barracas compõem o cenário diante do prédio da Casa, em um camping cuja concorrência vem aumentando - Foto: Beto Novaes/EM/D.A Press


A ocupação da Câmara Municipal de Belo Horizonte, iniciada sábado, completa amanhã uma semanaDurante esse período, a “comunidade alternativa”, formada em sua maioria por universitários, vem se tornando cada vez mais organizada e com menos aparência de provisóriaHá coleta seletiva de lixo e, no gramado do jardim, onde o número de barracas de camping cresceu para mais de 30, foi criada até uma espécie de praça, protegida do sol por lonas e panos presos a palmeirasDoações de alimentos e outros produtos não param de chegarPorém, o regime de autogestão, em que tudo é deliberado em assembleia, com os participantes tendo igual poder de decisão, cria desentendimentos.

A ocupação tem grupos (chamados de comissões) responsáveis por prestar os serviços de limpeza e alimentação, embora todo mundo possa dar sua contribuiçãoMas foi pela escassez de auxiliares que a equipe da limpeza se “demitiu” e, até ontem à tarde, não havia sido recompostaA insatisfação estava exposta em cartazes colados ao lado dos dois banheiros“O banheiro se limpa sozinho #revoltadalimpeza”, ironizava um“Felizmente nossa limpeza não é privatizadaVoluntarie-se”, convocava outro“O pessoal tinha que ser capaz de chamar gente pra ajudar
A pressão foi tão grande, que se cansaram”, explica Matheus Cherém, de 24 anos, integrante do Comitê de Atingidos pela Copa (Copac) e um dos ocupantes da sede do Legislativo.

Presente à ocupação desde o início, Cherém acredita que haja três tipos de pessoas “morando” no saguão e no jardim da CâmaraA maioria busca “construir algo comum”, em suas palavrasAlguns, porém, querem “decidir sozinhos”Um terceiro grupo “não quer colaborar, está a fim de deixar que outros decidam”, define o rapazMuitos jovens custam a aprender a conviver em uma sociedade não hierárquica“Nossa cultura se baseia em um Estado que gere tudoEsse processo de autogestão é difícil, delicado, não estamos acostumados a ele”, analisa CherémEm meio a uma população tão diversa surgem lideranças, ainda que a maior parte do pessoal insista em dizer que elas não existem“Há pessoas que são referência em alguns tópicos, que conhecem mais determinada área”, constata.

O desempregado Fred Porto, de 32 anos, é um dos coordenadores informais da Comissão de Alimentação“Quem tem mais experiência acaba tomando a frente
Eu moro sozinho desde os 16 anos, já acampei várias vezes”, ressaltaNa ocupação desde o primeiro dia, Fred só vai para casa, no Bairro Gutierrez, Região Oeste de BH, para tomar banho e trocar de roupaEle tem se incomodado com a postura de alguns ocupantes“Tem uma galera achando que isso é um acampamento de fériasTem gente que dorme até as 13hEstão perdendo o foco, que deve ser a política”, critica.

No almoço de ontem, Fred teve uma breve folga, já que a refeição foi preparada por frequentadores de um templo hare krishna do Bairro Prado, Região OesteO cardápio foi vegetariano: arroz com lentilha, salada ao molho de limão com gergelim, sopa de amendoim e sabji, um prato indiano que consiste em um cozido de vegetaisDepois do singular banquete, os hare krishna fizeram uma espécie de celebração com instrumentos musicais, dança e mantras cantados.

A roda formada no saguão seguiu pelo jardim até a pracinha aberta entre as barracasLá, encontrou uma moça descansando em uma rede montada entre duas palmeiras e alguns jovens sentados no gramado, bebendo uma mistura de cachaça e refrigeranteA poucos metros dali, um rapaz se ensaboava e tomava banho de mangueira, vestido apenas de bermudaOutros preferem se lavar de cueca

Salão

O cabeleireiro Leonardo Clemente, de 30, levou uma maletinha com objetos de trabalho e improvisou um salão no lado de fora do prédio, onde os “clientes” não deixavam esfriar a cadeiraPassou a integrar a extensa rede de pessoas que, de graça, oferecem seus préstimos aos ocupantesOutra delas é a dona de casa Nara Rangel, de 48 anos, que mora no Bairro Mangabeiras, Região Centro-Sul, e todo dia passa cerca de cinco horas na ocupação, para ajudar a preparar e servir o almoçoJá o farmacêutico Renan dos Santos, de 23 anos, desde domingo está de prontidão para quem se sentir mal, quase sempre de jaleco branco.

“A principal doença aqui é gripeAlguns dormem de mau jeito e acordam com dorAs meninas reclamam muito de cólicasTirei até os pontos de uma moça, que tinha machucado a cabeça há uma semana”, contaOntem, ele abriu um grande sorriso ao receber uma sacola cheia de analgésicos e antialérgicos doadosAs doações, em sua maioria compostas de alimentos, incluem produtos de limpeza, um megafone e um frigobarAlguns apoiadores preferem oferecer aulas e outras atividadesA agenda varia a cada diaA de ontem incluía uma palestra sobre métodos de memorização.

A população do lugar também varia durante o diaPode chegar a pouco mais de uma centena, à tarde, e se aproximar de mil à noite, quando se realiza a chamada “assembleia popular horizontal”É nela que se decidem a data e o local das manifestações, informadas pelo Facebook e no boca a bocaA próxima, denominada 7º Grande Ato, deve ocorrer hoje, a partir das 12h, com concentração na Praça Sete, no CentroAté o início da noite de ontem, mais de 3 mil pessoas haviam confirmado presençaO protesto foi marcado após reunião com o prefeito Márcio LacerdaSegundo a descrição do evento na rede social, “não houve sinal de avanço em nenhuma das pautas apresentadas”.