A ocupação da Câmara Municipal de Belo Horizonte, iniciada sábado, completa amanhã uma semana. Durante esse período, a “comunidade alternativa”, formada em sua maioria por universitários, vem se tornando cada vez mais organizada e com menos aparência de provisória. Há coleta seletiva de lixo e, no gramado do jardim, onde o número de barracas de camping cresceu para mais de 30, foi criada até uma espécie de praça, protegida do sol por lonas e panos presos a palmeiras. Doações de alimentos e outros produtos não param de chegar. Porém, o regime de autogestão, em que tudo é deliberado em assembleia, com os participantes tendo igual poder de decisão, cria desentendimentos.
A ocupação tem grupos (chamados de comissões) responsáveis por prestar os serviços de limpeza e alimentação, embora todo mundo possa dar sua contribuição. Mas foi pela escassez de auxiliares que a equipe da limpeza se “demitiu” e, até ontem à tarde, não havia sido recomposta. A insatisfação estava exposta em cartazes colados ao lado dos dois banheiros. “O banheiro se limpa sozinho #revoltadalimpeza”, ironizava um. “Felizmente nossa limpeza não é privatizada. Voluntarie-se”, convocava outro. “O pessoal tinha que ser capaz de chamar gente pra ajudar. A pressão foi tão grande, que se cansaram”, explica Matheus Cherém, de 24 anos, integrante do Comitê de Atingidos pela Copa (Copac) e um dos ocupantes da sede do Legislativo.
Presente à ocupação desde o início, Cherém acredita que haja três tipos de pessoas “morando” no saguão e no jardim da Câmara. A maioria busca “construir algo comum”, em suas palavras. Alguns, porém, querem “decidir sozinhos”. Um terceiro grupo “não quer colaborar, está a fim de deixar que outros decidam”, define o rapaz. Muitos jovens custam a aprender a conviver em uma sociedade não hierárquica. “Nossa cultura se baseia em um Estado que gere tudo. Esse processo de autogestão é difícil, delicado, não estamos acostumados a ele”, analisa Cherém. Em meio a uma população tão diversa surgem lideranças, ainda que a maior parte do pessoal insista em dizer que elas não existem. “Há pessoas que são referência em alguns tópicos, que conhecem mais determinada área”, constata.
O desempregado Fred Porto, de 32 anos, é um dos coordenadores informais da Comissão de Alimentação. “Quem tem mais experiência acaba tomando a frente. Eu moro sozinho desde os 16 anos, já acampei várias vezes”, ressalta. Na ocupação desde o primeiro dia, Fred só vai para casa, no Bairro Gutierrez, Região Oeste de BH, para tomar banho e trocar de roupa. Ele tem se incomodado com a postura de alguns ocupantes. “Tem uma galera achando que isso é um acampamento de férias. Tem gente que dorme até as 13h. Estão perdendo o foco, que deve ser a política”, critica.
No almoço de ontem, Fred teve uma breve folga, já que a refeição foi preparada por frequentadores de um templo hare krishna do Bairro Prado, Região Oeste. O cardápio foi vegetariano: arroz com lentilha, salada ao molho de limão com gergelim, sopa de amendoim e sabji, um prato indiano que consiste em um cozido de vegetais. Depois do singular banquete, os hare krishna fizeram uma espécie de celebração com instrumentos musicais, dança e mantras cantados.
A roda formada no saguão seguiu pelo jardim até a pracinha aberta entre as barracas. Lá, encontrou uma moça descansando em uma rede montada entre duas palmeiras e alguns jovens sentados no gramado, bebendo uma mistura de cachaça e refrigerante. A poucos metros dali, um rapaz se ensaboava e tomava banho de mangueira, vestido apenas de bermuda. Outros preferem se lavar de cueca.
Salão
O cabeleireiro Leonardo Clemente, de 30, levou uma maletinha com objetos de trabalho e improvisou um salão no lado de fora do prédio, onde os “clientes” não deixavam esfriar a cadeira. Passou a integrar a extensa rede de pessoas que, de graça, oferecem seus préstimos aos ocupantes. Outra delas é a dona de casa Nara Rangel, de 48 anos, que mora no Bairro Mangabeiras, Região Centro-Sul, e todo dia passa cerca de cinco horas na ocupação, para ajudar a preparar e servir o almoço. Já o farmacêutico Renan dos Santos, de 23 anos, desde domingo está de prontidão para quem se sentir mal, quase sempre de jaleco branco.
“A principal doença aqui é gripe. Alguns dormem de mau jeito e acordam com dor. As meninas reclamam muito de cólicas. Tirei até os pontos de uma moça, que tinha machucado a cabeça há uma semana”, conta. Ontem, ele abriu um grande sorriso ao receber uma sacola cheia de analgésicos e antialérgicos doados. As doações, em sua maioria compostas de alimentos, incluem produtos de limpeza, um megafone e um frigobar. Alguns apoiadores preferem oferecer aulas e outras atividades. A agenda varia a cada dia. A de ontem incluía uma palestra sobre métodos de memorização.
A população do lugar também varia durante o dia. Pode chegar a pouco mais de uma centena, à tarde, e se aproximar de mil à noite, quando se realiza a chamada “assembleia popular horizontal”. É nela que se decidem a data e o local das manifestações, informadas pelo Facebook e no boca a boca. A próxima, denominada 7º Grande Ato, deve ocorrer hoje, a partir das 12h, com concentração na Praça Sete, no Centro. Até o início da noite de ontem, mais de 3 mil pessoas haviam confirmado presença. O protesto foi marcado após reunião com o prefeito Márcio Lacerda. Segundo a descrição do evento na rede social, “não houve sinal de avanço em nenhuma das pautas apresentadas”.