Permissões de táxi podem voltar a passar de pai para filho. A hereditariedade das placas foi aprovada ontem em votação no Senado, um dia depois de ser votada na Câmara dos Deputados. Para aprovar a mudança, o Projeto de Lei de Conversão (PLC) 17/2013, que trata dos táxis, foi enxertado na Medida Provisória 610/2013, enviada pelo Executivo para acudir agricultores afetados pela seca. Derrubada em Belo Horizonte em 2012 pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais, a hereditariedade das permissões de táxi é alvo de críticas do Ministério Público. Associações nacionais de taxistas também contestam o projeto.
“É uma tentativa espúria de burlar o texto constitucional. O projeto transforma as permissões de táxi em autorização e cria o direito hereditário à transferência”, opina o promotor de Justiça Leonardo Barbabela, coordenador estadual de Defesa do Patrimônio Público. Pela tese de Barbabela, os serviços de caráter público, como os táxis, podem ser transferidos para particulares, desde que seja por licitação, conforme prevê o artigo 175 da Constituição.
“Passar a placa de pai para filho seria o mesmo de um advogado morrer e transferir o diploma para o filho continuar tocando o escritório. Não faz sentido porque quem recebe a concessão precisa ser qualificado para tal”, considera o promotor. Segundo ele, caso o texto não seja vetado pela Presidência da República, o MP vai ajuizar ação direta de inconstitucionalidade (Adin) contra a aplicação da matéria na capital mineira. Barbabela afirma que, ainda que o texto seja sancionado, a prática já está proibida em capitais como BH, Rio e Curitiba e em outras cidades, como Contagem e Betim.
“É triste perceber que nossos parlamentares insistem nas velhas políticas, na contramão do país, que exige mudanças”, critica o carioca Ivã Fernandes, presidente da Associação de Taxistas do Brasil (Abratáxi). Segundo ele, ao começar a perder o direito adquirido em diversas cidades, um grupo se organizou para pressionar o Congresso. “É desespero que está levando os donos das antigas permissões, entregues na década de 1960 e 70, aos apadrinhados políticos”, acusa Fernandes, dizendo que a frota carioca de táxis estaria nas mãos de menos de 200 empresas.
Privilégios
Eduardo Caldeira, presidente da Associação Nacional de Taxistas e vice da Abratáxi, lembra que, em dois anos, é o terceiro texto que tramita no Congresso com o objetivo de manter privilégios para a categoria. Ele confia que a presidente Dilma Rousseff vá vetar a matéria, como de outras vezes. “Cerca de 70% dos taxistas em BH não são os verdadeiros donos das permissões. São motoristas contratados para trabalhar pelos donos das placas”, diz. Segundo Caldeira, muitos deles reivindicam o direito das viúvas e dos filhos à herança após à morte do titular da permissão. A reportagem do Estado de Minas tentou ontem por diversas vezes conversar com a representação do Sindicato Intermunicipal de Taxistas (Sincavir-MG), mas não obteve retorno.
O taxista Wanderson de Souza Marici, de 55 anos, viveu os dois lados da profissão. Depois de atuar durante 15 anos como condutor auxiliar, enfrentou em 2012 a licitação das novas permissões na capital. De 6,3 mil inscritos, restaram 1,7 mil que apresentaram documentação completa e fizeram o mesmo número de pontos. Entre esses, foram escolhidos 490 novos permissionários, por sorteio. “Nunca mais me esqueço do número 479. Saí do inferno para o paraíso. Antes eu pagava para trabalhar”, conta ele, que pagava diária de R$ 110 ao antigo dono da placa para lucrar R$ 40, com jornada de até 18 horas. Agora, fatura R$ 200 por dia, trabalhando 12 horas. “Ainda estou pagando as prestações do carro e 10 vezes de R$ 500 à BHTrans pela concessão, mas está bom”, completa ele, que terá 25 anos para explorar o serviço. Ele considera que não é justo passar placas para herdeiros, uma vez que há muitas pessoas querendo participar de licitações e trabalhar como taxistas.