Minas não registrou, este ano, roubo de peças sacras em sua longa lista de igrejas, capelas e museus. Mesmo assim, a relação de tesouros religiosos desaparecidos e procurados pelas autoridades do patrimônio cultural não para de crescer. O motivo está na maior conscientização das comunidades, que quase diariamente denunciam assaltos a templos católicos ocorridos em épocas mais distantes, alguns até na década de 1940. “Esta é mais uma etapa da luta, que começou há exatos 10 anos, pela recuperação do acervo mineiro. Estamos abertos para receber as denúncias e prontos para investigar”, diz o coordenador das Promotorias de Justiça de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico (CPPC), promotor Marcos Paulo de Souza Miranda. Nessa batalha, ele enaltece a iniciativa do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha/MG), que, em parceria com a empresa Guiatel, vai publicar na capa dos catálogos telefônicos imagens de objetos de fé sumidos dos altares mineiros.
Muitos dos objetos sagrados recuperados já foram liberados pela Justiça para integrar uma grande exposição, ainda sem data marcada, a ser realizada este ano no Museu Mineiro, em Belo Horizonte, em caráter itinerante. O objetivo é fazer com que comunidades identifiquem as peças. Outros itens, como imagens, paramentos e castiçais, estão guardados no Iepha, no Memorial da Arquidiocese de BH e no Museu da Inconfidência, em Ouro Preto.
Em quase meio século de assaltos, os piores anos para o patrimônio cultural foram 1994 (92 peças sumidas), 2003 (80) e 2008 (55). Nessa época as quadrilhas atuavam em larga escala. “O comércio clandestino de arte sacra é semelhante ao tráfico de drogas. É um crime parasitário. Tem sempre gente interessada em comprar, por isso, mesmo com ações da polícia, ele não para nunca. Os bandidos agem como se fossem gafanhotos: quando acaba a ‘comida’, eles partem para outros locais”, ressalta o coordenador do CPPC.
INVESTIGAÇÃO No início do ano passado ladrões de arte sacra levaram cinco imagens, restauradas em 2009, da Matriz de Santo Antônio, em Itacambira, de 5,2 mil habitantes, no Norte de Minas. O templo estava com o alarme desligado, situação que levou a uma ação do governo de Minas para proteger cerca de 40 igrejas e capelas. A tristeza ainda é grande na região, mas os lamentos e o sentimento de perda podem estar com os dias contados. O promotor Marcos Paulo informou ontem que o crime pode ser desvendado em breve. “Temos a convicção absoluta de que vamos encontrar as cinco peças roubadas”, informou o promotor, sem, contudo, dar detalhes sobre a investigação.
Para o representante do Ministério Público, o mais importante é fazer denúncias sobre eventuais roubos o mais rápido possível e ter sempre a foto da imagem desaparecida. “Sem o retrato, fica mais difícil encontrar”, observa. Recentemente, chegou ao CPPC a informação sobre o sumiço, em 2001, de peças da Capela do Barreiro, na zona rural de Jaboticatubas, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. A zeladora Solígia Moreira dos Santos, de 44 anos, conta que a comunidade ainda lamenta o furto das esculturas de Nossa Senhora da Piedade, Nossa Senhora da Conceição e São Sebastião. “Na época, foi feita a ocorrência policial, mas nada foi encontrado. Ganhamos uma imagem maior da padroeira, mas sentimos muita saudade da antiga, do século 18”, disse ela, lembrando que o antigo ministro da eucaristia, hoje enfermo, não se conforma com as perdas. Segundo Marcos Paulo, moradores de Senhora de Oliveira e Piranga, na Zona da Mata, e Couto de Magalhães de Minas, no Vale do Jequitinhonha, também enviaram comunicado ao CPPC pedindo providências para peças desaparecidas há décadas.
Década de conquista
Um dos pontos altos do trabalho de resgate dos bens culturais mineiros, que completa 10 anos este mês, foi a luta dos moradores de Santa Luzia, na Grande BH, para reaver parte de seu acervo religioso, no caso os três anjos barrocos que teriam sido vendidos do santuário local, na década de 50, e iriam a leilão no Rio de Janeiro. O caso foi parar na Justiça, depois que a aposentada Luzia Vieira, moradora da cidade, viu as fotos das peças, então em poder de um colecionador, publicadas pelo Estado de Minas. “A atuação do jornal, desde o início, foi fundamental para obtermos sucesso nessa empreitada. Os repórteres acompanharam todo o processo e fizeram um trabalho investigativo”, recorda-se a advogada Beatriz de Almeida Teixeira, vice-presidente da Associação Cultural Comunitária de Santa Luzia, entidade que ajuizou ação para recuperar as imagens. Na época, por determinação do juiz da 2ª Vara Cível de Santa Luzia, Jair Eduardo Santana, o conjunto foi excluído do leilão e entregue ao Iepha para ser periciado. A tarefa, a cargo da equipe da arquiteta Selma Miranda, mostrou que as peças eram mesmo do santuário. Hoje, elas estão sobre o arco-cruzeiro (foto), encantando moradores e visitantes.