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Estado de Minas

Capital é a última esperança para quem precisa de tratamento

BH é referência médica para praticamente todo o estado,. São quase 90 mil pacientes do interior atendidos por mês


postado em 15/07/2013 06:00 / atualizado em 15/07/2013 07:07

Pedro Ferreira

 

 Vicente e Lecinda saíram de um distrito de Conceição do Mato Dentro para trazer um dos gêmeos, com um mês e meio de vida, para uma consulta na capital. Onde moram, não há médicos suficientes (foto: Beto Magalhaes/EM/D.A Press)
Vicente e Lecinda saíram de um distrito de Conceição do Mato Dentro para trazer um dos gêmeos, com um mês e meio de vida, para uma consulta na capital. Onde moram, não há médicos suficientes (foto: Beto Magalhaes/EM/D.A Press)

Os hospitais públicos de Belo Horizonte atendem quase 90 mil pacientes do interior todo mês, considerando a média de mais de 4,4 mil consultas diárias de segunda a sexta-feira, conforme levantamento da Secretaria Municipal de Saúde (SMSA). É como se toda a população de uma cidade de médio porte, como João Monlevade, no Vale do Aço, se transferisse a cada mês para a capital em busca de tratamento médico.

Pela quantidade de veículos com placas do interior na Praça Hugo Werneck, na Região Hospitalar, é possível ter uma noção do volume de pessoas que buscam médicos em BH, diante da carência de profissionais em suas regiões. Na terça-feira, 20 ambulâncias e vans, 17 carros pequenos e 11 microônibus de prefeituras estavam estacionados na parte de baixo da Praça Hugo Werneck e na Avenida Bernardo Monteiro. Um sem número de carros ficam estacionados em outros locais por falta de estacionamento na praça. Enquanto isso, uma multidão de pacientes, a maioria idosos e com doenças graves, aguarda por mais de cinco horas o retorno para casa, o que é possível somente quando o último passageiro é atendido em algum hospital.

De acordo com a SMSA, além dos 4,4 mil pacientes que se dirigem à capital para consultas especializadas, o número de internações de moradores de outras cidades também é significativo, com o fato se repetindo no caso de tratamentos especializados. Das 10 mil internações mensais, 4,3 mil são de pessoas do interior (43%). Dos 2, 2 mil pacientes que fazem hemodiálise mensalmente, 704 chegam de outros municípios (32%), e das 3,5 mil cirurgias eletivas programadas mensalmente, 1,4 mil são em pacientes de fora (40%). “Belo Horizonte é pólo de referência estadual para cerca de 700 municípios para procedimentos de média complexidade e para todos os 853 municípios para a alta complexidade”, informou em nota a SMSA.

Cada paciente ou acompanhante tem um motivo para correr riscos nas estradas e vir a Belo Horizonte. Na terça-feira, a dona de casa Maria Aparecida Costa, de 64 anos, se levantou à meia-noite para pegar um microônibus da Prefeitura de Morada Nova de Minas, Região Central. Uma hora depois, ao lado de mais 37 passageiros, começou a viagem de 305 quilômetros. Sua missão: trazer os sobrinhos, de 8 e 14 anos, respectivamente, para consultar o oftalmologista na capital. Às 15h35, embarcaram para voltar à Morada Nova. Se não houvesse imprevisto, chegariam em casa às 22h. “Tenho medo dessas viagens corridas. As estradas são perigosas”, disse Aparecida.

Dentro de uma van, à espera da viagem de volta, os pais dos gêmeos Thales e Hester, de um mês e meio, estavam preocupados com os perigos nas estradas. O balconista Vicente Silva, de 27, e a dona de casa Lecinda Rodrigues, de 25, moram no distrito de Santo Antônio do Norte, em Conceição do Mato Dentro, Alto Jequitinhonha, e precisaram dormir na cidade para viajar às 2h da madrugada. “A menina está suando sem parar”, disse a mãe, que trouxe a criança a BH para descobrir a causa do problema. “Na minha cidade é um médico para 10 mil pessoas e eles demoraram o dia inteiro para atender uma”, reclamou o pai. “A estrada é muito perigosa. Se eu já tinha medo antes, agora estou apavorada, temendo acontecer alguma coisa com os meninos”, disse a mãe.

NO MEIO DO PROTESTO

Há 15 dias, João Paulo da Silva, de 55, motorista da Secretaria de Saúde de Carandaí, Região Central de Minas, demorou onze horas para percorrer 137 quilômetros na volta para casa. Muitos passageiros da van têm câncer e tinham acabado de passar por sessões de radioterapia e quimioterapia. Alguns sentiram mal com o calor e a Polícia Rodoviária não conseguiu abrir caminho na BR-040, fechada por manifestantes, para o veículo seguir viagem. “A gente saiu às 4h30 de Carandaí, retornamos ao meio-dia de BH e só chegamos em casa às 23h”, disse o motorista, que não esconde seu medo da BR-040. “Vejo muita gente irresponsável na estrada. São carros, caminhões e ônibus que fecham a gente o tempo todo. As pessoas saem em busca de saúde e não sabem se voltam vivas para casa”, disse.



Demora, fome e esperança

Os perigos nas estradas são apenas uma parte do sofrimento de quem vem do interior para receber atendimento médico em BH. Muitos pacientes aguardam até sete horas debaixo de sol e chuva para voltar para casa e não têm dinheiro nem para comer. Paula Araújo, de 28, vende sanduíches no local e se comove com doentes que passam o dia com um cachorro-quente. “As pessoas ficam com pena e pagam para eles. É de cortar o coração”, lamentou Paula.

A lavradora Alessandra Brás da Silva, de 25, que mora na zona rural de Lajinha, Zona da Mata, sabe bem o que é isso. “Nem todo mundo aqui tem dinheiro para comer. Estamos na hora da colheita lá na roça e estou com um dinheirinho”, disse. Ela já perdeu as contas de quantas vezes percorreu 750 quilômetros de ida e volta para levar a filha Maria Eduarda, de 3, a um médico. A criança fez cirurgia no coração em dezembro e antes disso foram mais de 30 viagens. Agora, ela faz retorno a cada 15 dias.

O almoço da corretora de imóveis Débora Nunes, de 29, de João Monlevade, também foi um cachorro-quente. Ela tem má-formação dos joelhos, anda com ajuda de muletas e gastou R$ 25 de táxi para se deslocar de um hospital no Bairro São Bento à Praça Hugo Werneck, onde embarcaria de volta para João Monlevade. “Sobrou só o dinheiro do cachorro-quente”, disse Débora, lembrando que as prefeituras arcam apenas com o transporte e alimentação do motorista.

No fim da tarde, a preocupação era outra na praça. Apesar da presença de uma base móvel da PM, jovens usuários de drogas assustavam as pessoas. A dona de casa Maria de Lurdes Oliveira Santos, de 60, se trancou na van. “Eles roubam a bolsa da gente”, disse ela, que havia saído de Bambuí no início da madrugada, ao lado de 15 pessoas espremidas numa van.

FISCALIZAÇÃO O DER informou que tem feito ações e fiscalizações em todo o estado para combater o transporte clandestino, independentemente da destinação e uso do veículo. “Os fiscais avaliam a legalidade do transporte, condições do veículo, principalmente a questão da segurança. Quando constatada irregularidade, o veículo e condutor são multados”.

Foi informado também que veículos contratados por prefeituras para transporte de pacientes devem estar de acordo com o Decreto 44.035/05 e são regularmente fiscalizados pelo departamento. “O controle da manutenção dos veículos é feito durante as operações e blitz e/ou administrativamente, mediante apresentação de laudo técnico emitido pelo Inmetro ou órgão por ele credenciado, a cada seis meses”, disse o DER em nota.

Três perguntas para...

Ricardo Felizardo Loro
TRATORISTA

Ricardo Felizardo Loro, de 20 anos, tratorista em Poços de Caldas, conseguiu retirar o filho, de 2 anos, da Kombi que pegou fogo na BR-381 no dia 3, mas perdeu a mulher. Outras quatro pessoas morreram.

Vocês iam ou voltavam de Belo Horizonte na hora do acidente?
A gente retornava, por volta das 18h. A gente tinha ido um dia antes, saímos às 22h, viajamos a madrugada inteira e chegamos às 7h em Belo Horizonte. Resolvemos tudo o que tínhamos que resolver e voltamos para Poços de Caldas, todo mundo apertado na Kombi. Tinha mais uma criança que saiu do incêndio.

Não deu tempo você retirar sua mulher do carro?
Fui jogado longe, para fora da Kombi. Voltei para pegar meu menino e minha esposa, mas não deu tempo. Só o filho. O fogo tomou conta de tudo.

Se houvesse atendimento médico adequado em sua cidade, as pessoas correriam menos riscos?
Com certeza. Muitas vezes, a gente vai lá (Belo Horizonte) só para passar por nutricionista, só acompanhamento. O exame eles fazem aqui em Poços e mandam para Belo Horizonte, que envia o resultado de volta. Agora, vou enfrentar essa viagem sozinho com meu filho. Ele pergunta pela mãe demais. Sente falta, né?


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