Médicos estrangeiros que trabalham em Belo Horizonte reconhecem as peculiaridades do sistema de saúde brasileiro e defendem avaliação para certificar a competência do profissional para atuar no país. Até garantir a revalidação do diploma, a cirurgiã-geral e mastologista alemã Kerstin Kapp Rangel, de 43 anos, levou cerca de dois anos envolvida com estágios para complementar sua formação, além das provas. Na residência de cirurgia geral, Cláudia Mariel Herrera Gallardo, de 30, levou o mesmo tempo, numa avaliação que envolveu dedicação e foco.
Diante dessa trajetória, ela condena a intenção do governo federal de permitir a atuação de profissionais estrangeiros sem a necessidade de passar por uma prova de avaliação. “É injusto com todos estrangeiros e brasileiros que passaram por um processo tão longo para conseguir trabalhar. Além de tudo, o problema da saúde no país não é numérico, mas estrutural”, avalia. “A melhora da assistência da população não será tão efetiva, porque os médicos estarão indo para locais sem estrutura mínima de funcionamento”, ressalta.
A peruana Cláudia Gallardo, de 30, veio para o Brasil interessada em aprimorar sua formação e fazer residência em cirurgia plástica, especialidade muito concorrida no Peru. “Mas a prova aqui no Brasil é para ninguém passar e é muita cara. Com todo o processo, entre cartório e inscrições, gastei R$ 20 mil”, conta, dando noção da dificuldade da vinda para o país. Cláudia conta que foi bem recebida e isso a ajudou muito a superar adversidades. “Já falava bem português e, mesmo assim, quando cheguei, atendi um paciente que falou que estava com frieira no pé e achei que ele sentia frio no pé. Mas fui muito ajudada pelos colegas”, ressalta, com bom humor.
Cláudia, que se casou com um brasileiro e não pretende mais voltar ao país de origem, trabalha em hospitais públicos em Santa Luzia e Lagoa Santa, na região metropolitana, e não tem dúvida de que a questão não é por quem as vagas serão ocupadas, mas a estrutura oferecida a esses profissionais. “Só fico nesses lugares porque preciso de dinheiro. Na época da dengue, não tinha nem dipirona. Já tratei de crianças que só conseguiram cirurgia depois de ficar em estado grave. O que fazemos é apagar incêndio, porque as condições de trabalho são muito difíceis”, conta a médica.
O coordenador de uma das clínicas do Hospital Mater Dei, o clínico e intensivista Andrés de la Flor, nasceu em Lima, no Peru, e veio para o Brasil ainda criança. Os passos na profissão foram trilhados em território brasileiro, mas nem por isso ele deixa de analisar a abertura de vagas para estrangeiros como ele. “Em um país desta dimensão, não conseguiremos suprir a demanda de médicos a médio prazo e com qualidade. Uma solução seria permitir a entrada de estrangeiros, até porque é uma oportunidade de trazer talentos para o Brasil”, afirma. Mas o médico também acredita ser fundamental a revalidação dos diplomas desses profissionais em exames oficiais como o Revalida. Na avaliação de Andrés, o assunto não se encerra na quantidade de profissionais e passa pela qualidade do serviço. “O ponto nevrálgico é qual a condição de trabalhar que se dará a quem migrar para o interior.”
Em reação às regras anunciadas pelo governo federal para a aplicação do Revalida – exame de revalidação de diplomas de medicina estrangeiros – a estudantes brasileiros, o Conselho Federal de Medicina (CFM) divulgou comunicado apontando que a avaliação deve levar em consideração aspectos como tempo de funcionamento, localização geográfica e médias de avaliação já obtidas (Enade e Conceito Preliminar de Cursos). A entidade prometeu estar atenta ao acompanhamento da aplicação do Revalida, denunciando indícios de irregularidades, caso necessário. Em protesto contra as políticas do governo para a categoria, entidades médicas convocam para hoje novos atos de protesto.