(none) || (none)
UAI
Publicidade

Estado de Minas

Incêndio que destruiu parte do Santuário do Caraça ainda vive na lembrança

Padres e ex-alunos lembram incêndio que destruiu, em 1968, parte do Colégio Caraça, na Região Central. Mais de 15 mil livros da biblioteca foram destruídos e ruínas hoje dão lugar a museu


postado em 27/07/2013 06:00 / atualizado em 27/07/2013 07:20

Santuário do Caraça virou pousada e recebe milhares de turistas todos os anos(foto: Leandro Couri/EM/D.A Press - 4/7/12)
Santuário do Caraça virou pousada e recebe milhares de turistas todos os anos (foto: Leandro Couri/EM/D.A Press - 4/7/12)
Nenhum papa visitou até hoje o Santuário do Caraça, mas bem que o complexo religioso, ambiental, turístico e cultural de Minas merece ser incluído nas próximas agendas do Vaticano. Chamado de “porta do céu” e localizado entre Catas Altas e Santa Bárbara, na Região Central, o patrimônio administrado pela Província Brasileira da Congregação da Missão, composta de padres e irmãos lazaristas e vicentinos, tem beleza natural de sobra, fauna e flora exuberantes e um círculo de montanhas transmitindo o tempo todo paz, quietude e proteção. Este ano, no entanto, tristes lembranças vêm à memória dos brasileiros que acompanharam o drama pela imprensa e de ex-alunos então assustados com as labaredas que destruíram parte da construção há 45 anos. Era madrugada de 28 de maio de 1968 quando o fogareiro usado para derreter cola destinado ao setor de encadernação ficou ligado, transformando em cinzas 15 mil livros. No museu da instituição, o sinistro equipamento ainda pode ser visto.


Nascido em Nova Era e residente em Belo Horizonte, o engenheiro eletrônico Sylvio de Menezes Filho, de 61 anos, tinha 16 na época do incêndio, que consumiu a biblioteca, dormitórios, laboratórios de física e química, gabinete dentário, farmácia e salas de aula. “Nunca vou me esquecer daquela madrugada fria de maio. Todas as noites, por volta das 21h, todos ouvíamos as palavras do padre antes de dormir. O problema é que um dos alunos esqueceu o fogareiro elétrico com 500ml de cola de couro de boi, de cheiro muito forte, usada na recuperação dos livros. Aquilo transbordou e o fogo se propagou no primeiro andar. As paredes eram de pedra, mas tudo lá dentro, de madeira”, afirma Sylvio, que, além de aluno dos 12 aos 16 anos, ocupava um cargo de confiança: era regente ou supervisor de turmas.

De madrugada, um ex-aluno que estava na enfermaria, dormindo – a porta desse serviço era em frente à encadernação –, acordou assustado sentindo o forte cheiro de queimado e deu o alerta. A partir daí, os seminaristas, nos dormitórios no terceiro andar, foram retirados. “Depois da retirada de todos, voltei lá e olhei cama por cama para ver se havia alguém. Felizmente, todos, os maiores e os menores, tinham saído”, recorda-se Sylvio. A comunicação na época era difícil e as ligações telefônicas se completavam numa conexão feita em várias cidades até chegar ao Corpo de Bombeiros em Belo Horizonte.

Na edição do dia 29/5/1968, o assunto foi destaque no Estado de Minas: “O Colégio Caraça foi quase completamente destruído, ontem, por um incêndio que durou oito horas e deu prejuízos de quase dois bilhões de cruzeiros antigos. O fogo começou às 3 horas da madrugada e foi debelado com o concurso de 100 homens do Corpo de Bombeiros. Somente a coleção de livros da biblioteca do educandário, destruída pelas chamas, estava avaliada em mais de um bilhão de cruzeiros antigos. Outros danos foram provocados pela destruição dos laboratórios, dormitórios e salas de aula. Apenas a ala de residência dos padres, o refeitório e a igreja não foram atingidos”.

E mais: “O Corpo de Bombeiros utilizou seis viaturas de pequeno e grande portes para conter o incêndio. Não houve feridos, apesar de alunos e padres se encontrarem dormindo à hora em que se iniciou o sinistro. O grito de um aluno foi o sinal de alarme. No mesmo instante, padres e estudantes começaram a abandonar o interior do colégio, atirando roupas, livros, sapatos e dinheiro pelas janelas dos dormitórios, no terceiro andar. Era a corrida contra a morte. As escadas que conduzem ao térreo foram envolvidas pelas chamas e muitos alunos encontraram dificuldades para transpô-las. O fogo consumiu quase tudo, desde obras dos grandes escritores modernos até preciosidades literárias das línguas francesa, italiana e latina. Somente uma coleção em latim, uma das únicas ainda existentes no mundo, tinha seu valor calculado em mais de vinte milhões de cruzeiros antigos”.

IMPERIAL Chamado de Colégio Imperial, o Caraça, por onde passaram mais de 10 mil alunos, abriu como escola em 1820 e só fechou as portas para os alunos seminaristas em 1968. Quatro anos depois, embora sem deixar de ser uma casa religiosa, se transformou em pousada. Por ano, recebe cerca de 70 mil pessoas de vários países e estados brasileiros, diz a bióloga Aline Abreu, responsável pela parte ambiental. Integrante da Reserva da Biosfera da Serra do Espinhaço, o Caraça está na categoria de reserva particular do patrimônio natural (RPPN), com 19 mil hectares. Na região, há muitas variedades de orquídeas e vivem centenas de espécies de pássaros e de dezenas de mamíferos, universo reconhecido pelos naturalistas que visitaram a região, no século 19, entre eles o francês Auguste de Saint-Hilaire (1779–1853).

As terras do Caraça chegaram às mãos de dom João VI, que ficou no Brasil de 1808 a 1821, mediante testamento. Ao morrer, em 1819, irmão Lourenço, que está enterrado dentro da igreja, sob o altar de Santo Antônio, legou a igreja e toda a área ao rei, desejando que ali fosse construída uma escola que mantivesse o cunho religioso. Um ano depois, o monarca doou o conjunto à Congregação da Missão dos Padres Lazaristas, dando início à fase denominada Caraça português.


LINHA DO TEMPO
1774 –O português Carlos Mendonça Távora, conhecido como Irmão Lourenço de Nossa Senhora, funda o Caraça
1819 – Morre Irmão Lourenço, que deixa, em testamento, as terras e a igreja para dom João VI, com o objetivo de ser construída uma escola no local
1820 – Dom João VI faz a doação do Caraça aos padres lazaristas. Nesse ano, os padres Leandro e Viçoso fundam o colégio
1831 – Dom Pedro I e a imperatriz dona Amélia visitam o Caraça, um dos primeiros colégios de Minas
1842 – O colégio interrompe suas atividades, devido a problemas políticos envolvendo os padres na Revolução Liberal, e se transfere para Campina Verde, no Triângulo Mineiro
1856 – Seminário de Mariana é transferido para o Caraça e o colégio é reaberto
1881 – Dom Pedro II e a imperatriz dona Teresa Cristina visitam o Caraça
1968 –Na madrugada de 28 de maio, o fogo destrói o edifício do colégio. Não houve vítimas. Dos 30 mil títulos da biblioteca, só se salvaram em torno de 15 mil
1972 – O Caraça se torna hospedaria, mas sem deixar de ser uma casa religiosa


SAIBA MAIS: Verdadeiro paraíso
Localizado a 120 quilômetros de Belo Horizonte, o Santuário do Caraça tem entre seus atrativos a igreja neogótica. No caminho há várias placas. Uma chama a atenção e provoca entusiasmo: “Você está chegando ao paraíso”. Não há como se decepcionar, só mesmo se surpreender. Nenhuma construção surgiu no lugar da destruída pelo fogo e a parte do prédio que restou é ocupada por museu, biblioteca e sala de convenções. O presidente da Associação dos Ex-Alunos dos Lazaristas e Amigos do Caraça (Aealac), professsor Mariano Pereira Lopes, de 69 anos, estudou no Caraça entre 1957 e 1962 e já prepara o encontro anual de ex-alunos, que ocorre sempre em outubro. “Foi um tempo inesquecível. A gente só podia ir uma vez por ano em casa”, conta, destacando estudantes como os ex-presidentes Affonso Penna (1847-1909) e Artur Bernardes (1875-1955) e os ex-presidentes de Minas Olegário Maciel, Augusto de Lima e Raul Soares. “Além disso, dom Pedro I e dom Pedro II estiveram lá”. No seu passeio, dom Pedro II escreveu: “Só a visita ao Caraça vale a viagem a Minas”.


receba nossa newsletter

Comece o dia com as notícias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, faça seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)