Essa sexta-feira foi um dia especial para Ana da Cruz de Almeida, de 102 anosNascida em Ramalhete, um povoado do Vale do Rio Doce, ela exibiu às colegas de classe – e com largo sorriso – tanto o cachecol de lã branca que ganhou de presente, no início da semana, quanto o caderno cheio de desenhos coloridos e palavras escritas a lápisDona Ana não apenas extrapola em mais de 23 anos a expectativa de vida das mineiras – de 78,3 anos, segundo dados divulgados ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) –, como desafia os próprios limites e está aprendendo a lerEla é uma das 25 mulheres da Turma das Flores, como elas mesmas batizaram a classe do programa de Educação de Jovens e Adultos, mais conhecido pela sigla EJAA sala funciona no Lar Santa Rita de Cássia, onde a idosa mora, e foi montado em parceria com a Escola Municipal João Pinheiro, no bairro homônimo, Região Noroeste de Belo Horizonte.
Mesmo sem saber, dona Ana pratica os ensinamentos da geriatra Karla Giacomin, do Núcleo de Estudos de Saúde Pública e Envelhecimento da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz)Ao falar sobre o aumento da expectativa de vida da população brasileira demonstrado pelo IBGE, ela recomenda: “Não fumar, beber com moderação, praticar atividade física, ter alimentação equilibrada e ter amigosQuando se envelhece, é muito necessário manter essa conexão com o mundo”Com disposição de fazer inveja a muita gente, dona Ana mantém essa ligação como poucos e sonha ser alfabetizada para poder ler a Bíblia Sagrada do início ao fim“Gosto de rezar, todas as noites, para o Senhor Jesus.”
Comunicativa, a idosa faz questão de apresentar as amigas de classeA maioria divide os quartos no Lar Santa Rita de CássiaOutras moram na comunidade – a Escola João Pinheiro está entre o Anel Rodoviário e a Via Expressa
Dona Ana já aprendeu parte do abecedárioSua carteira, entre as das amigas Lia, de 92, e Aíla, de 74, fica em frente a um grande calendário de papelão pendurado na paredeCom os dedos no quadrado que marca a data de 27 de novembro de 2013, ela diz – e sem disfarçar a emoção: “Completarei 103 anos nesse dia aqui”“Não tive a oportunidade de estudar quando era mais novaFrequentei a sala de aula por poucos dias, quando eu tinha completado 11 anosMas me tiraram de lá para trabalhar na roça”, explica, recordando que plantou milho, arroz, feijão, abóbora e outros alimentos que iam direto da lavoura para o fogão a lenha.
A geriatra Karla Giacomin ressalta que a mudança desse quadro ao longo dos anos ajuda a explicar o aumento na longevidade dos brasileiros“Com a urbanização, as condições de vida também melhoraram
Testemunha da história
Exemplo de longevidade das mineiras, dona Ana da Cruz já viu muitas coisas na vidaPerto de completar 103 anos, ela é um dos poucos brasileiros que fizeram compras com todas as moedas que vigoraram no país: réis, até 1945; cruzeiros, de 1942 a 1967; cruzeiros novos, 1967 a 1970; cruzeiros, de 1970 a 1986; cruzados, de 1986 a 1989; cruzados novos, de 1989 a 1990; cruzeiros, de 1990 a 1993; cruzeiros reais, de 1993 a 1994; e reais
Na política, ela viu 33 presidentes ocuparem a cadeira que hoje é de Dilma RousseffQuando dona Ana nasceu, em novembro de 1910, o carioca Nilo Peçanha (1867-1924) era o chefe do ExecutivoPouco antes de ela completar quatro anos, estourou a 1ª Guerra Mundial (1914-1918)Já adulta, foi testemunha da 2ª Grande Guerra (1939-1945).
Mas ela não gosta de se recordar de coisas tristesPrefere as lembranças que lhe dão alegriaUma delas é o catolicismoDona Ana nasceu durante o papado de Pio X, de 1903 a 1914De lá para cá, outros nove líderes católicos ocuparam o trono de São Pedro: Bento XV, de 1914 a 1922; Pio XI, de 1922 a 1939; Pio XII, de 1939 a 1958; João XXIII, de 1958 a 1963; Paulo VI, de 1963 a 1978; João Paulo I, de 26 de agosto a 28 de setembro de 1978; e João Paulo II, de 1978 a 2005; Bento XVI, de 2005 a 2013; e Francisco(PHL)