O cantor, compositor e repentista baiano Caxangá, já falecido, que fez história também como apresentador no rádio mineiro, cantava assim: “Eu sou ferreiro, carpinteiro e carapina, quero que você me ensina a lavar roupa sem molhar”. Ao ouvir os versos do artista popular, Altamiro de Paula Ribeiro, personagem do bem-querer do povo do município de Ibertioga, na Região Central do estado, abre um largo sorriso e diz: “Difícil essa aí, de lavar roupa sem molhar, né?”. Com as mãos, é difícil mesmo. Talvez impossível. Tanto que ninguém nunca apareceu diante de Caxangá para ensiná-lo.
Altamiro, de 64 anos, ou simplesmente Tatá, se não sabe lavar roupa sem molhar, malha o ferro e forja peças, como faz o ferreiro; sabe carpinteirar, e bem; e marceneira como ninguém. São apenas algumas de suas habilidades. Há outras, como a que o fez famoso: construtor de carros de boi, aqueles de madeira, pesados, de rodas cantadeiras, puxados por juntas (parelhas) de bois, os chamados bois de carro, fortes, calmos e obedientes. Arte que Tatá aprendeu com o pai e que vê morrer, devagar, porque não há mais ninguém disposto a segui-la.
Geraldo Paulino Ribeiro, pai de Tatá, como tantos outros nas quebradas de Minas que talharam o jacarandá para dar conta das encomendas de fazendeiros e empresas que principiavam a ocupação de terras, são, imerecidamente, anônimos. Imerecidamente porque hoje o carro de boi é reverenciado em festas e desfiles, não somente em Ibertioga. Pela sua importância e tradição. Ser dono de um, de rodas cantadeiras, é como ter na garagem um Ford picape fabricado em 1929. E não tem preço. Se a arte de construir carro de boi não é mais atraente, madeira de lei agora, como o jacarandá, é coisa rara.
Tatá começou na labuta cedo, como a maioria naqueles tempos. Aos 8 anos já ordenhava vacas, na profissão chamada retireiro. E tinha que levar o leite à fábrica de laticínios. Aos 10, começou a ajudar o pai a fabricar carros de boi. E foi observando o trabalho de Geraldo Paulino. Daí até aprender a arte foi um pulo. Mas não é um ofício simples. Um carro de boi exige a meticulosidade de um projetista de automóvel. Questão de milímetros. Um errinho de nada no desenho do mião (roda) ou na romã do eixo, o carro fica comprometido, principalmente por um detalhe. “Carro que não canta vira carroça”, diz Tatá.
Milimétrico
“O trator com carretinha substituiu o carro de boi nas fazendas”, diz, para explicar um dos motivos pelos quais o ofício deixou de ser atraente. Não só os tratores. Os caminhões também. Não há mais demanda. “Meu pai criou três filhos e eu cinco com esse trabalho.” Tatá, como tantos outros criados no interior das Gerais, estudou só até a terceira série (correspondente ao terceiro ano do ensino fundamental) porque tinha que trabalhar para ajudar os pais. Aposentou-se, com pensão hoje de R$ 675. Para sobreviver com a mulher, complementa a renda com o dinheiro da venda do leite ordenhado de uma dúzia de vacas.
“Hoje, mesmo se quisesse, não conseguiria mais construir um carro de boi. É preciso trabalhar muito tempo agachado e não teria mais a ajuda de minha mulher, que sofreu um derrame e ficou com os movimentos prejudicados. Tenho orgulho de ter aprendido essa arte e de saber fazer. Estou pronto para ensinar a quem quiser aprender. As ferramentas eu tenho. A pessoa não pode medir distância para aprender.” A lição é boa. E aprender foi também um ofício para Tatá. Tanto que, além de construtor de carros de boi, carapina, marceneiro e retireiro, faz serviço de pedreiro e sabe plantar e colher. Vida longa para Altamiro de Paula Ribeiro. E que o carro de boi não desapareça do cenário das Minas Gerais.
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