Itabirito – No passado, uma grande fazenda de criação de gado, produção de alimentos para Vila Rica e com lavras de ouroHoje, ruínas que juntam as marcas do século 18 à preservação ambiental e se transformam numa joia do Quadrilátero FerríferoO sítio arqueológico de Aredes, em Itabirito, a 60 quilômetros de Belo Horizonte, é uma página da história de Minas quase arrancada pela atividade clandestina de uma mineradora, já expulsa da região, mas que, felizmente, deixou três conjuntos da antiga propriedade agora integrante da estação ecológica gerenciada pelo Instituto Estadual de Florestas (IEF)Para garantir maior proteção aos muros, paredes e construções de pedra sobreviventes, a Secretaria do Patrimônio Cultural e Turismo de Itabirito vai abrir o processo de tombamento do lugar, o qual foi avaliado de forma positiva pelo Conselho Municipal do Patrimônio Histórico, Artístico e Natural (Compatri)Até mês que vem, o dossiê estará pronto, informa o secretário de Cultura, Ubiraney FigueiredoO Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha-MG) também tem interesse em fazer o tombamento.
Quem passa pela Rodovia BR-040, no sentido Rio de Janeiro, nem imagina que a menos de dois quilômetros da estrada há um tesouro com mais de três séculos“É certamente um dos primeiros núcleos populacionais de Minas”, diz o coordenador das Promotorias de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico de Minas Gerais (CPPC), Marcos Paulo de Souza Miranda, de posse de uma certidão de batismo realizado na capela, em 1723, há 290 anosDiz o documento: “Aos cinco de setembro do presente ano, batizei e pus os santos óleos no Oratório do Aredes desta Freguesia de Nossa Senhora da Boa Viagem da Itabira ao inocente Alexandre, filho legítimo de Francisco Ferraz Cardoso e de sua mulher Páscoa Nogueira, foram padrinhos Gonçalo Afonso dos Reis e Manoel Francisco e por verdade fiz este termo que assineiVigário Antônio de Souto Soares”
O conjunto de ruínas – residência da fazenda, capela ou oratório dedicado a São Sebastião, comércio, senzala e outras edificações – está rodeado de empresas mineradoras, mas, desde que foi criada a Estação Ecológica de Aredes, por decreto estadual, há três anos, ele ganhou cerca, ficou livre do mato e recebe cuidado permanenteSegundo Marcos Paulo, o caso acompanhado há cinco anos pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) demandou ação na Justiça e assinatura de quatro termos de ajustamento de conduta (TAC) com empresas
Janela de pedra
Para garantir a participação da comunidade nos destinos de Aredes, outra novidade: acaba de ser formado o conselho consultivo, composto de 32 pessoas, entre titulares e suplentes“Esse lugar, que faz divisa com a Área de Preservação Ambiental Sul (APA Sul) e Monumento Natural da Serra da Moeda, é muito rico em flora e faunaHá um tipo de cáctus sobre a canga de minério, só encontrado aqui e em Carajás, no Pará”, diz o engenheiro florestalAo lado da monitora ambiental Beatriz Cristina de Souza, ele coleta sementes, descobre bromélias e registra tudo
Fim das marcas
A mineração clandestina deixou marcas profundas em Aredes – algumas superiores a 10 metrosPara reparar os erros de mais de 30 anos, o termo de ajustamento de conduta firmado com uma empresa exigiu a presença de equipes de arqueólogos para acompanhar os serviços, como o preenchimento das cavas“É a primeira vez, em Minas, que está sendo feita a reconversão do território no entorno de um sítio arqueológico”, diz a especialista Alenice Baeta, da empresa Artefactto ConsultoriaAo lado do também arqueólogo Henrique Piló, ela ministrou cursos de educação patrimonial para os motoristas dos tratores que trabalham na área e acompanha as demais ações que possam afetar o patrimônio“A paisagem será recomposta com o preenchimento das cavas e cobertura vegetal”, explica
A equipe da Artefactto, atuante no sítio desde janeiro, é composta ainda pelos arquitetos Maria Cristina Cairo e Pedro Paiva, atualmente envolvidos em projetos de interpretação e sinalizaçãoO trabalho conduzido ali vai resultar em livro com fotos do estúdio OrangeAlenice não se cansa de destacar a importância de Aredes, que, pelas dimensões, pode ter sido uma vila no século 18, tendo como núcleo principal a fazenda e um entreposto comercial“As empresas que atuaram certamente destruíram outras ruínas”, acredita a arqueóloga, adiantando que não há previsão de escavações na região.
Basta andar um pouco para sentir “os dramas” da atividade ilegal e ver os estragos deixadosA construção que abrigava as vendas foi coberta com telhas de amianto e, para não voarem pelos ares com os vendavais, foram colocadas várias pedras sobre elasDentro, mais desmandosAs paredes de pedras foram cobertas de cimento e construídos banheirosDe herança, ficaram camas, ferramentas e objetosSegundo Luís Fernando, qualquer intervenção será sempre acompanhada dos arqueólogosNo terreno, também ficaram sete pilhas de manganês, totalizado cerca de 10 mil toneladas
SAIBA MAIS: A ORIGEM DO NOME
O trabalho da Coordenadoria das Promotorias de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico de Minas Gerais (CPPC) teve laudos elaborados pela historiadora Neise Mendes Duarte, que visitou o sítio arqueológico três vezesPesquisas baseadas em estudos da UFMG mostram que há duas versões para o nome Aredes: “A origem pode vir tanto dos índios que viveram aqui como também do sobrenome de uma família portuguesa, proprietária nos primórdios, quando o povoado pertencia a Vila Rica, hoje Ouro Preto”Em documentos antigos, o nome também é encontrado com a letra “z” no finalA historiadora destaca que Aredes está perto da antiga mina de Cata Branca e do Pico do Itabirito, expoente do Quadrilátero Ferrífero