A dona de casa Dione de Deus, de 44 anos, é uma das pacientes que mais exigiram cuidados especiais em 35 anos de funcionamento do Recanto de Caná, um dos poucos centros de internação de Belo Horizonte a aceitar mulheres com dependência química. Por decisão da filha mais velha, ela foi levada para a comunidade terapêutica no início do ano. Poucos dias antes, tinha fumado 20 gramas de crack e tomado uma mistura de medicamentos controlados com vodca. “Tentei autoextermínio”, ela reconhece. Dione continua em tratamento. Ainda não se sente preparada para voltar ao convívio social. Por enquanto, é capaz de fazer uma promessa: “Vou ficar até o fim”.
O crack é a droga mais recente na vida dela. E a que fez a dona de casa chegar ao momento mais delicado. A internação no Recanto de Caná foi uma decisão extrema tomada pela filha, Nathany, de 22 anos, para tentar salvar a mãe. Por causa do coquetel que misturou bebida, remédios e crack no início do ano, Dione precisou ser levada pelo Samu e ficar dias no centro de terapia intensiva (CTI) de um hospital. Foi transferida primeiro para o Centro de Recuperação em Saúde Mental Álcool e Drogas (Cersam-AD), de Belo Horizonte e, depois, internada contra a vontade no Recanto de Caná.
“Minha filha ameaçou cortar relações comigo. Disse que eu não tinha mais saúde para beber nem usar droga. Nem dinheiro para pagar pelo vício”, lembra. “Na época fiquei revoltada, mas hoje só tenho a agradecer. Eu estava no fundo do poço”, diz, mostrando a foto da filha na capa da Bíblia. Dione lembra que já passou por “humilhações” para comprar e consumir crack. Para fumar, diz ter entrado na casa de outros usuários em favelas e dividido diária em pensões no Centro da cidade. Como forma de conseguir a droga, atuou até como olheira para traficantes.
O período de tratamento no Recanto de Caná teve altos e baixos. Nos primeiros 30 dias, Dione tentou fugir duas vezes. Primeiro, escapou pelo portão, que tinha sido aberto por um pedreiro, mas não conseguiu ligar para ninguém do telefone público da esquina. Depois, achou a chave, abriu a porta e foi embora. A filha a encontrou e a levou de volta à comunidade terapêutica. “Quero me tratar, mas a fissura é muito grande”, disse, à época.
Depois de completar três meses de internação, Dione recebeu autorização para visitar a família por três dias. Chegou a participar da festa de aniversário da sobrinha, de 7 anos. Mas ainda não se sentiu preparada para voltar ao convívio social. “No meio da festa, me tranquei no quarto e só saí na hora dos parabéns”, lembra. Outro momento difícil foi a decisão de uma colega da comunidade terapêutica de abandonar o tratamento. “Ela foi embora por impulso. Não deveria ter feito isso.”
Com o tempo, Dione passou a reagir bem ao tratamento. Ganhou a confiança da coordenadora do Recanto de Caná e das colegas. Em julho, recebeu a tarefa de atuar como uma espécie de subcoordenadora. Agora, é responsável pelas chaves dos corredores, dormitórios e do armário de medicamentos. O tratamento, com duração de nove meses, termina em agosto. Perto de sair, ela renova a promessa: “Vou até o fim”.