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Estado de Minas

Conheça Marcos Vinícius, que se entregou ao crack no interior mineiro

Natural de Gonzaga, cidade de menos de 6 mil habitantes, Marcus Vinícius Dias, de 31 anos, é a prova viva de que o crack há muito deixou de ser fenômeno de grandes centros urbanos. Em cinco meses, ele foi do primeiro contato com a droga à decadência extrema. À beira da morte, restou-lhe aceitar tratamento de seis meses. Mas a recaída veio com a volta à rotina na cidade natal. Hoje ele segue lutando, na esperança de um dia comemorar o fato de estar definitivamente livre da pedra.


postado em 14/08/2013 06:00 / atualizado em 14/08/2013 08:15

Marcus Vinícius jogando futebol, uma de suas paixões, e com o irmão salvador, Milton (abaixo): batalha sem fim para se afastar da pedra(foto: Ramon Lisboa/EM/D.A Press)
Marcus Vinícius jogando futebol, uma de suas paixões, e com o irmão salvador, Milton (abaixo): batalha sem fim para se afastar da pedra (foto: Ramon Lisboa/EM/D.A Press)


O crack é frequentemente comparado a uma epidemia. Como tal, não respeita fronteiras e viaja com aqueles que contamina. Foi na bagagem deles que chegou ao interior do Brasil, deixando para trás a crença de que fosse um mal das metrópoles. Marcus Vinícius Dias, um dos 5.900 moradores de Gonzaga, cidade pacata do Vale do Rio Doce, a 306 quilômetros de BH, se “contagiou” em um município um pouco maior: Machado, no Sul de Minas, com cerca de 38 mil habitantes. Era junho de 2012 quando o rapaz, contratado com um grupo de trabalhadores da construção civil, conheceu a pedra, que usou intensamente. Continuou depois de voltar à cidade natal, até ser encontrado na zona rural, irreconhecível, em outubro do mesmo ano. Depois dos seis meses de tratamento e da recaída, está tentando recuperar a própria história.

O CRACK COMO ELE É: confira todas as reportagens da série especial


Quando a equipe do Estado de Minas o encontrou pela primeira vez, em 27 de dezembro de 2012, ele estava internado, prestes a completar dois meses de abstinência. Mas os efeitos da dependência ainda eram evidentes. Com os pés muito inchados, Marcus estava impedido de fazer uma das coisas de que mais gosta: jogar futebol. A sonolência e a dificuldade de se concentrar denunciavam outros rastros da droga, mas também dos medicamentos para enfrentar a abstinência.

Apesar da dificuldade com a memória, ele se esforça para contar que teve o primeiro contato com entorpecentes aos 20 anos. Em 2005, conheceu a professora Lívia Mara Assunção, com quem começou a namorar. Ela conta que, até janeiro de 2007, quando os dois se casaram, não desconfiava do vício do namorado. “Ele gostava de farra. Mas eu não imaginava nada além disso”, relata Lívia, que se decepcionou, cerca de dois meses depois, ao encontrar cocaína nas coisas do marido.

A relação ficou tumultuada e o casal chegou a se separar por quatro vezes. Em uma das reconciliações, nasceu o pequeno Henrique, hoje com 5 anos, em junho de 2008. Cerca de 40 dias depois, Marcus embarcou para trabalhar na construção civil em Portugal, onde a compulsão pela droga só fez aumentar.

A passagem pela Europa só é mencionada por Marcus no segundo encontro com a equipe do EM, em 7 de fevereiro deste ano. Ele já havia largado os medicamentos. Com os pés desinchados, a alegria voltava aos poucos ao rosto, em grande parte levada pelo futebol, atividade quase diária entre os companheiros de tratamento.

Mas a diversão proporcionada pela bola dá lugar ao relato sombrio da passagem por Portugal. Foram cerca de 18 meses, o suficiente para conhecer e usar outras drogas, como a heroína. “Na Europa eu vi de tudo. O consumo de drogas por lá é frenético”, resume. O retorno para o Brasil ocorreu em janeiro de 2010. Estava totalmente diferente. “O jeito de falar mudou e ele estava mais nervoso. Mas o problema é que não admitia que era viciado”, conta a mulher.

Até junho de 2012, Lívia travou uma verdadeira batalha para convencer o marido a se tratar. “Depois ele foi trabalhar no Sul de Minas e aí conheceu o crack. Entrou de cabeça”, diz. A cada vez que Marcus voltava para ver a família, chegava mais nervoso e decadente. “A deterioração foi muito rápida. Ele emagreceu demais e entrou em depressão”, conta Lívia.

RESGATADO

O encontro seguinte da equipe do EM com Marcus Vinícius ocorre cinco meses depois, na casa do irmão dele, o comerciante Milton, no Bairro Ressaca, em Contagem, na Grande BH, onde o rapaz se recupera de uma cirurgia no olhos. Grande incentivador da recuperação, Milton conta como resgatou o irmão, que estava sumido havia dois dias em Gonzaga. Era fim de outubro do ano passado quando o comerciante saiu de Contagem, seguiu pistas e informações até encontrar a boca de fumo rural, onde foi recebido por um traficante armado. “Ele confirmou que meu irmão estava lá e me mandou esperar. Pouco depois, chegou de moto com o Marcus na garupa e me entregou meu irmão como um monte de lixo.”

A chegada de Marcus a Ravena, distrito do município de Sabará, na Grande BH, para ser internado ocorreu em 3 de novembro. “Estava realmente muito mal. O crack me fez afundar”, diz o rapaz. Depois de recuperar 19 quilos, Marcus parece mais sereno. Diz que a sensação de se aproximar do fim do tratamento é de renascimento. O irmão adverte: “O mundo continua da mesma forma e as amizades estão no mesmo lugar. Cabe a você se policiar para não se deixar envolver com as coisas erradas”.

As palavras têm um tom de quem teme o pior. Não sem razão. Ao concluir o tratamento, Marcus voltou para a cidade natal e reencontrou a mulher, no início de maio. Mas, em uma visita à casa da mãe, em uma cidade vizinha, o rapaz caiu de volta no crack. Só reapareceu no dia seguinte, ainda drogado. Em junho, voltou a beber, passagem para novas recaídas.

O retrocesso derrubou novamente a confiança da professora, que mandou Marcus de volta à casa do irmão. O mais recente contato da equipe do EM com Marcus ocorreu na última semana de julho, quando ele já estava de volta a Gonzaga. Lá, conseguia se manter de pé depois de arrumar trabalho na mercearia de outro irmão, onde é responsável pelas entregas. Enquanto o futuro ainda é um ponto de interrogação, a mulher, Lívia, afirma que chegou ao limite. “Avisei que não quero mais problema, cansei. Ele está fazendo o possível para mudar”, diz. Mas o crack ainda é um fantasma. “Ele continua bebendo cerveja e já chegou a fumar cigarro normal. Creio que ainda não é o momento para isso. Apesar de não ter havido recaídas, não é hora de falar de cura ou libertação total.”


No seu lugar

“A droga não tem esse poder que damos a ela. Os efeitos vão depender da relação entre a droga, a pessoa e suas expectativas. Devemos estar atentos às pessoas, à nossa relação com as pessoas e a como somos como pessoas e com as pessoas. Enfim, nunca deixar a droga ocupar esse lugar que não é dela”

Raquel Barros, psicóloga, fundadora da Lua Nova, entidade que acolhe jovens mães solteiras em Sorocaba (SP) e que inspirou o plano nacional de enfrentamento do crack

Direto no cérebro

O medo de recaídas, citado em coro por dependentes em recuperação como Marcus Vinícius, tem razão de ser. Apesar de ter o mesmo princípio ativo da cocaína, o crack tem memória química muito forte, só comparável à da heroína. Sua chegada ao sistema nervoso central é quase imediata: de 8 a 15 segundos. Gera euforia e excitação, imediatamente seguidas de depressão, delírio e "fissura" por novas doses.

Sofrimentos mentais

Segundo o psiquiatra e homeopata Aloísio Andrade, o índice de recaídas dos usuários de crack ainda é alto no Brasil por falta de diagnósticos consistentes e de medicação básica. Ele explica que a maioria dos quadros graves de dependência apresenta também transtorno mental. Assim, quando presentes, quadros como esquizofrenia, depressão e demência precisam ser tratados de forma simultânea.

3 mil


reuniões por semana ocorrem no país em grupos de Narcóticos Anônimos. Os endereços podem ser verificados no site www.na.org.br.


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