“O que aconteceu comigo foi uma transformação”, diz Carlos, sorrindo. É o dia seguinte à saída do rapaz do sítio em Ravena, distrito de Sabará, na Grande BH, no qual ficou seis meses internado. A aparência está bem cuidada. O primeiro compromisso marcado é uma visita a uma agência de empregos no Centro de Belo Horizonte. Antes, passa na porta da escola onde a mãe trabalha. A faxineira Maria de Fátima Becalli, de 54, abraça o filho com força. “A melhora dele foi muito grande”, constata. “Sonho que ele conquiste tudo de bom. Daqui para a frente é trabalhar.”
Os cuidados são necessários. Antes de se tratar, Carlos “consumia crack compulsivamente”, nas palavras dele. O hoje segurança começou a fumar a pedra aos 19 anos, mas já tinha problemas com outras drogas. Começou a beber aos 12. O vício em crack se tornou pior em 2011. Durante um ano, ele praticamente morou na Pedreira Prado Lopes. Lá, fumava em qualquer lugar. Entrava em longas filas para comprar a pedra.
Numa dessas tentativas de conseguir a droga, viveu um trauma. Enquanto aguardava a vez, outro usuário foi reconhecido por traficantes como responsável por pequenos roubos na região. “O traficante segurou uma pistola automática e perguntou se o cara queria levar um tiro na mão ou no peito. Como não respondeu, o bandido disse que seria no peito, mas o homem levantou e o tiro acabou arrancando a mão dele”, lembra. Na segunda vez em que ele presenciou um acerto de contas, um traficante assassinou um usuário na frente de várias pessoas. “Ele tinha roubado uma certa quantidade de crack e tomou dois tiros”, lembra.
Carlos atribui parte dos problemas que viveu a desarranjos familiares – ele não se dava bem com o padrasto. A experiência com crack, conta, ocorreu depois de uma desilusão amorosa. O rapaz diz que entre 2011 e 2012 a Pedreira Prado Lopes se tornou ambiente para esquecer problemas, mesmo com tantos riscos. “Se você estivesse dentro do beco, corria muito perigo. Eles (traficantes) atiravam sem se preocupar em quem acertar.”
O tratamento a que Carlos se submeteu no Centro de Recuperação de Dependentes Químicos (Credeq), em Ravena, começou em novembro do ano passado. Em todas as ocasiões em que a reportagem do EM esteve no sítio, ele parecia reagir bem. “Os dois primeiros meses foram os mais difíceis”, lembra. Uma das coisas que o ajudaram a esquecer o crack foi trabalhar na unidade de recuperação. Ele conta que se apaixonou pelo ofício de padeiro. À medida que o tratamento avançava, a perspectiva de voltar ao convívio social era o que animava Carlos. “Não virei santo. O ser humano está sujeito a falhas, mas com certeza vejo melhoras. Antes, posso dizer que respirava por aparelhos. Hoje, já consigo respirar por minha conta”, disse, em março, quando já havia completado quatro meses de internação.
O dia 22 de maio ficará marcado na memória de Carlos. A saída da comunidade terapêutica é comparada por ele a um novo nascimento. Sorridente, com 20 quilos a mais, já dava o tom do que seria sua prioridade. “Preciso arrumar um serviço para ocupar a mente e não colocar tudo a perder.” Dois meses depois de deixar a unidade de recuperação, a reportagem do EM tentou fazer novo contato com Carlos. Ele atendeu à ligação da reportagem em seu celular. Era um bom indício: o telefone é um dos primeiros objetos trocados ou vendidos por viciados para conseguir pedra. Outra boa notícia era que o rapaz já tinha arranjado emprego como segurança de supermercado. “Não tenho tempo para pensar em outras coisas. Esse emprego foi essencial para meu recomeço”, conta.
Carlos também arranjou uma namorada. Diz que a nova companheira o ajuda a ficar longe de problemas. Assim como as reuniões que frequenta, ainda como parte do tratamento. “Agora posso dizer que levo uma vida normal. Não preciso beber e usar drogas para viver.”