Jornal Estado de Minas

Guardas municipais estabelecem relação de conflitos na Praça Raul Soares

Após agressão de guarda municipal a criança, frequentadores de espaço no Centro de BH expõem desavenças constantes com agentes. Policiais também se queixam de ameaças

Valquiria Lopes
Presença dos guardas garante preservação da área, também frequentada por moradores de rua e travestis - Foto: João Miranda/EM/D.APress

 

Uma relação conflituosaAssim frequentadores e moradores de rua definem o tratamento dado por guardas municipais a quem passa na Praça Raul Soares, no Centro de Belo HorizonteDepoimentos de pessoas que aproveitam a praça para descansar e de andarilhos mostram que a agressão de um agente a uma criança na quarta-feira é um caso extremo, mas não isolado“Eles não têm educação para falar com a genteJá chegam xingando e abusam da autoridade que têm”, conta a cabeleireira Érica Martins, de 22 anos, frequentadora da praçaOs guardas se defendem e dizem ser hostilizados durante o trabalho, especialmente por menores de rua.

No caso da agressão, o menino estava em companhia de dois garotos banhando e brincando na fonte da praçaPouco depois, um guarda foi até o grupo e pediu que saísse da águaTrês deles obedeceram, mas um permaneceuEm um vídeo divulgado por uma testemunha, o guarda é visto chutando o rosto do menino, que caiu na água novamente.

Érika Martins conta ainda que o tratamento dispensado pelos guardas deveria ser melhor e que para isso eles deveriam ser mais bem treinados“Eles estão aqui para zelar pelo patrimônio público, mas podem ser educados para cobrar que as pessoas cumpram as regras da praça”, diz

O morador de rua Claudiomar Moreira, de 45 anos, é frequentador assíduo da Raul Soares

Ele diz que, salvo algumas exceções, há casos de abuso de autoridade“Eles são grosseiros, agressivos quando falam com a genteAlguns são extremamente mal-educados.” Ele lembra que o trabalho da Polícia Militar é diferente: “A PM é mais tranquila quando nos aborda.”

Claudiomar diz ter visto a violência contra a criança no jornal de ontem e não gostou da notícia“Os guardas precisam zelar pelo patrimônio e chamar atenção de quem tenta invadir a fonte, por exemploMas a atitude do guarda não tem justificativaEles deveriam ter agido com mais educação”, conta

Repúdio

O estudante de direito Domingos Soares da Rocha, de 36, também repudia o comportamento do agentePara ele, ainda que a situação chegasse ao extremo, o funcionário público deveria ter mantido o controle“Ele estava a trabalhoPor mais raiva que tivesse da criança naquela situação, não poderia ter agido com violência”, afirmou o estudante, enquanto descansava na Praça Raul Soares


A ambulante RJ., de 19, defende o agente envolvido no casoSegundo ela, a criança foi resistente em sair da água e ameaçou molhar o guarda“Ele chutou a roupa do menino e não o rosto deleEle então escorregou e caiu na água”, dizSegundo a mulher, as crianças voltaram para a praça poucas horas depois.

Ameaças

Os guardas municipais que estavam a trabalho ontem na praça confirmam que a relação com pessoas que atentam contra o patrimônio é realmente difícil, mas dizem ser vítimas de agressões verbais“Temos de manter a ordem e o patrimônioA gente conversa com quem infringe as regras, como entrar na fonteQuando a gente pede para eles saíram, nos xingam e ameaçam”, contou um deles sem se identificar

O guarda lembrou o caso recente de um usuário de drogas que diariamente ia à praça para fumar maconha“Depois de tanto alertá-lo, sem sucesso, fiz a prisão dele e o levei para a delegaciaFoi numa manhã e à tarde, ele estava aqui de volta, zombando de mim”, contou.

Proteção ao patrimônio

A Guarda Municipal, por meio de sua assessoria de imprensa, esclarece que moradores de rua, assim como os travestis, que também são alvo de muitas reclamações dos moradores do entorno, têm o direito constitucional garantido de permanecerem na praçaOs guardas, segundo o órgão, só podem intervir quando há uma situação de conflito ou atentado ao patrimônioAinda assim, eles devem ter o bom senso e discernimento para ir até onde a lei o resguarda

Ainda segundo a assessoria, os agentes passam por treinamento para gerenciamento de crises e qualquer reclamação sobre o comportamento deles deve ser levada à corregedoria para ser investigadaSobre o caso da suposta violência contra a criança na quarta-feira, o órgão já havia informado que não admite e não tolera esse tipo de conduta por parte dos agentes e que as circunstâncias do fato serão apuradasAcrescentou que, caso seja constatada a culpa do agente, ele pode ser punido com advertência e até mesmo demissãoEle também poderá responder pelo crime.