Uma relação conflituosa. Assim frequentadores e moradores de rua definem o tratamento dado por guardas municipais a quem passa na Praça Raul Soares, no Centro de Belo Horizonte. Depoimentos de pessoas que aproveitam a praça para descansar e de andarilhos mostram que a agressão de um agente a uma criança na quarta-feira é um caso extremo, mas não isolado. “Eles não têm educação para falar com a gente. Já chegam xingando e abusam da autoridade que têm”, conta a cabeleireira Érica Martins, de 22 anos, frequentadora da praça. Os guardas se defendem e dizem ser hostilizados durante o trabalho, especialmente por menores de rua.
No caso da agressão, o menino estava em companhia de dois garotos banhando e brincando na fonte da praça. Pouco depois, um guarda foi até o grupo e pediu que saísse da água. Três deles obedeceram, mas um permaneceu. Em um vídeo divulgado por uma testemunha, o guarda é visto chutando o rosto do menino, que caiu na água novamente.
O morador de rua Claudiomar Moreira, de 45 anos, é frequentador assíduo da Raul Soares. Ele diz que, salvo algumas exceções, há casos de abuso de autoridade. “Eles são grosseiros, agressivos quando falam com a gente. Alguns são extremamente mal-educados.” Ele lembra que o trabalho da Polícia Militar é diferente: “A PM é mais tranquila quando nos aborda.”
Claudiomar diz ter visto a violência contra a criança no jornal de ontem e não gostou da notícia. “Os guardas precisam zelar pelo patrimônio e chamar atenção de quem tenta invadir a fonte, por exemplo. Mas a atitude do guarda não tem justificativa. Eles deveriam ter agido com mais educação”, conta.
Repúdio
O estudante de direito Domingos Soares da Rocha, de 36, também repudia o comportamento do agente. Para ele, ainda que a situação chegasse ao extremo, o funcionário público deveria ter mantido o controle. “Ele estava a trabalho. Por mais raiva que tivesse da criança naquela situação, não poderia ter agido com violência”, afirmou o estudante, enquanto descansava na Praça Raul Soares.
A ambulante R. J., de 19, defende o agente envolvido no caso. Segundo ela, a criança foi resistente em sair da água e ameaçou molhar o guarda. “Ele chutou a roupa do menino e não o rosto dele. Ele então escorregou e caiu na água”, diz. Segundo a mulher, as crianças voltaram para a praça poucas horas depois.
Ameaças
Os guardas municipais que estavam a trabalho ontem na praça confirmam que a relação com pessoas que atentam contra o patrimônio é realmente difícil, mas dizem ser vítimas de agressões verbais. “Temos de manter a ordem e o patrimônio. A gente conversa com quem infringe as regras, como entrar na fonte. Quando a gente pede para eles saíram, nos xingam e ameaçam”, contou um deles sem se identificar.
O guarda lembrou o caso recente de um usuário de drogas que diariamente ia à praça para fumar maconha. “Depois de tanto alertá-lo, sem sucesso, fiz a prisão dele e o levei para a delegacia. Foi numa manhã e à tarde, ele estava aqui de volta, zombando de mim”, contou.
Proteção ao patrimônio
A Guarda Municipal, por meio de sua assessoria de imprensa, esclarece que moradores de rua, assim como os travestis, que também são alvo de muitas reclamações dos moradores do entorno, têm o direito constitucional garantido de permanecerem na praça. Os guardas, segundo o órgão, só podem intervir quando há uma situação de conflito ou atentado ao patrimônio. Ainda assim, eles devem ter o bom senso e discernimento para ir até onde a lei o resguarda.
Ainda segundo a assessoria, os agentes passam por treinamento para gerenciamento de crises e qualquer reclamação sobre o comportamento deles deve ser levada à corregedoria para ser investigada. Sobre o caso da suposta violência contra a criança na quarta-feira, o órgão já havia informado que não admite e não tolera esse tipo de conduta por parte dos agentes e que as circunstâncias do fato serão apuradas. Acrescentou que, caso seja constatada a culpa do agente, ele pode ser punido com advertência e até mesmo demissão. Ele também poderá responder pelo crime.