Tiradentes – Juntas, as três irmãs da família Álvares, de Belo Horizonte, somam 234 anos e têm tantas histórias para contar que descem sorridentes as ladeiras de pedras da mineira Tiradentes. De roupas confortáveis, tênis e óculos escuros, elas aproveitaram a tarde de quarta-feira para visitar a Igreja Matriz de Santo Antônio, enquanto a cidade se prepara para receber o festival gastronômico, um dos eventos que movimentam aquele centro histórico. Advogada, assistente social e pedagoga, Magda, de 70 anos, Julieta, de 84, e Giva, de 80, driblam a idade e fazem piada da bengala que esta última usa por conta da recuperação de uma cirurgia no joelho. Reparam não só nos casarões e na vista da Serra de São José, mas também nas pedras diferentes no chão e no desalinho daquela rua cheia de passado. Elas são contra o projeto da prefeitura, aprovado semana passada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), de nivelar o calçamento.
Orçada em R$ 4,7 milhões, a obra visa retirar as pedras e assentar todo piso, recolocando-as em seguida de forma que as ruas do centro histórico não sejam mais irregulares. O projeto é voltado para o pedestre e também prevê questões de acessibilidade, com a construção de rampas de acesso e ajustes da via ao passeio. A ideia é facilitar as caminhadas e garantir a segurança dos visitantes, que vez ou outra torcem o pé ou escorregam. Com recursos do BNDES, a regularização do calçamento faz parte de um investimento de R$ 40 milhões na cidade, que também contempla a reforma de quatro igrejas, de elementos artísticos da Matriz de Santo Antônio, a iluminação de sete becos e de monumentos religiosos e civis. Para visitantes e moradores, a obra deve vir aliada à interdição do trânsito do Largo das Forras até a matriz nos fins de semana, feriados e períodos de eventos. O edital deve ser publicado em dois meses e a expectativa é de que as obras, com previsão de um ano e meio, comecem em dezembro.
“A visita é para isso. O que torna Tiradentes atraente é justamente essas ruas irregulares. Mudar isso vai afastar os turistas. Quem não andar aqui, fica pela cidade grande mesmo, que tem asfalto!”, diz Julieta Álvares Moisés, que segue apressada para visitar um museu. “Nivelar as pedras pode interferir na caracterização da cidade. Estamos de tênis, andando com cuidado, mas essa é a cara de Tiradentes”, afirma a advogada Magda, ao lado da irmã Giva. “Acho que é a gente quem tem que se adequar e se virar. Estou andando muito bem aqui com a bengala. Não precisa regularizar o piso para os turistas circularem por aqui.”
Cariocas, o engenheiro Carlos Renato Ribak, de 55, e a psicóloga Ana Fernanda Ribak, de 39, lembram da histórica Paraty, na Costa Verde fluminense, para resssaltar o encanto das ruas de pedras de Tiradentes. “Acho que a cidade perde mesmo que só haja o nivelamento, o que você busca é esse padrão diferente. Essa é nossa terceira visita e o que todo mundo gosta é justamente esse estilo, muito parecido com Paraty. Só que lá não tem trânsito no centro histórico. As pessoas só podem andar a pé e isso eu aprovo para aqui também”, diz Ana Fernanda, que passeava pela Rua da Direita. Perto dali, as primas Maria Ângela Leal e Maria do Carmo Santiago Vidal, de Barbacena, tentavam se desviar das pedras soltas e de um carro que subia a rua. “Isso foi feito para passar charrete! Acho que os carros devem sair, mas as pedras não!”, diz Maria do Carmo. “É difícil descer e subir, mas isso é que dá charme à cidade”, comenta a prima.
O casal Carlos Alberto e Maria Fernanda Cantarutti é mineiro de Barbacena, mas mora em Brasília. Sempre que visita a família, não deixa de esticar o passeio a Tiradentes. Acompanhados de dona Raquel Cordeiro Laguardia, de 73, mãe de Maria Fernanda, eles perceberam que a senhora teve mais dificuldade de caminhar pelo centro histórico. Por isso, concordam com o nivelamento, desde que o projeto esteja aprovado pelos órgãos culturais e de patrimônio competentes. “Nossa charrete escorregou na subida da igreja e já vi criança caindo de bicicleta. Mesmo que não sejam pedras do século 18, esse tipo de calçamento faz parte da cidade e deve ser mantido, mas acho possível conciliá-lo com um terreno mais plano”, acredita Carlos Alberto. “Se não descaracterizar, eu aprovo”, diz dona Raquel.
COMÉRCIO APROVA
Se entre os turistas o assunto é polêmico, os comerciantes parecem concordar com a obra, apesar dos transtornos. Gerente de um bar ao ar livre no Largo das Forras há 12 anos, Dina Dutra, de 56, é favorável ao calçamento nivelado, mas se houver, além disso, proibição do trânsito no centro. “Não tem sentido revitalizar para os carros”, afirmou. “Haverá transtorno, sim, mas vai melhorar muito e evitar acidentes. Andar aqui é difícil até para quem mora.” Segundo ela, o ideal é que seja criado um espaço na entrada da cidade para os caminhões com mercadorias e transporte pesado. “Com o período de obras e o trânsito terá que ser desviado, os turistas vão se acostumando ao saber que não poderão mais andar de carro aqui. No final, a ideia será absorvida e todo mundo estará mais educado.”
Para Norma Fonseca, dona de uma padaria na Rua Padre Toledo, as obras deveriam ser feitas no período de baixa temporada, a partir de agosto. “Dezembro a cidade está cheia e imagino o fuzuê no Centro, com quebra-quebra e ruas fechadas. Sou a favor porque os carros passam e jogam as pedras longe e tem gente com mais dificuldade de se locomover. Eu e meus meninos arrumamos várias vezes as pedras aqui da frente e tem algumas que ficam soltas porque não cabem mais nos buracos”, conta a moradora. Ela também considera fundamental um projeto para o trânsito. “Talvez os carros possam circular, mas não parar. E a prefeitura precisa criar condições para o acesso das mercadorias, já que os caminhões também não podem entrar e nem todo mundo tem caminhonete para buscar farinha e gás.”