Quando Aline de Sousa Magela decidiu cursar medicina em Cuba, muita gente estranhou. “Você está ficando doida? Por que vai pra lá?”, perguntaram. A moça continuou resoluta. “Falta informação. Cuba não tem só charuto, rum, mulher, carro velho”, diz. Vários brasileiros que resolvem se tornar médicos em outros países da América Latina enfrentam desconfiança, inclusive na volta à terra natal, onde, para trabalhar, precisam passar por um processo de revalidação do diploma. É nessa etapa que muitos esbarram.
Os brasileiros “repatriados” são maioria entre os que participam do Revalida, como é conhecido o Exame Nacional de Revalidação de Diplomas Médicos Expedidos por Instituição de Educação Superior Estrangeira, processo adotado por 37 universidades públicas neste ano, com 1.851 inscritos. Nas duas edições anteriores da prova, criada em 2011, os 953 brasileiros inscritos representaram 61% dos 1.561 candidatos e a maioria era formada na Bolívia (424), em Cuba (256), Argentina (93) e Espanha (39). Em segundo lugar, estiveram os bolivianos (275), seguidos por peruanos (85), colombianos (52) e cubanos (32).
As universidades públicas que não aderem ao Revalida também podem ratificar diplomas estrangeiros, desde que ofereçam graduação em medicina. É o caso da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), onde a belo-horizontina Aline, formada em Cuba, conseguiu revalidar seu canudo em 2012. “As provas da UFMG são acessíveis, cobram o que um clínico geral deve saber. Outras universidades exigem conhecimentos muito especializados”, constata a moça de 27 anos.
Desde menina, Aline decidiu que se tornaria médica na ilha caribenha. “Eu lia muito e vi que lá a saúde pública funcionava. Não fui por falta de opção e sim porque quis”, lembra ela, que nem chegou a prestar vestibular no Brasil. Em 2005, começou a estudar na Escola Latino-Americana de Medicina (Elam). Assim como os colegas, morava em um albergue em Havana, cedido pelo governo, que também oferecia os livros a serem lidos no curso. “Recebemos uma formação integral, aprendemos um pouco de cada especialização. Tivemos muito prática. Havia aula o dia inteiro, a faculdade me absorvia o tempo todo”, conta.
Aline se graduou em 2011 e, na volta ao país natal, percebeu que, além de precisar revalidar o diploma, teria que vencer a suspeita de colegas. “Quando sabem que me formei em Cuba, muita gente se espanta e pergunta logo: ‘Revalidou onde?’ Quem se forma fora sofre uma desconfiança maior, até conseguir provar sua competência”, constata. O processo de revalidação torna menos difícil a busca pelo reconhecimento. “Pode não ser indispensável para alguém atestar que é médico, mas acaba servindo para quebrar uma barreira, um preconceito”, acredita. A clínica geral trabalha em um consultório de cirurgia plástica em BH e quer se especializar na área. Aos fins de semana, faz plantão em um pronto-socorro em Juquitiba (SP).
SONHO
Moradora de Betim, na Grande BH, Noranei Delma de Araújo, de 33, também sonhava ser médica. “Sempre estudei em escola pública, sabia que no Brasil seria muito difícil entrar numa boa faculdade”, conta. Soube que o curso em Cuba era bom e decidiu se candidatar a uma bolsa. As aulas na Elam começaram em 2004 e se concluíram em 2010. “Lá os professores se doam aos alunos, ficam à disposição em tempo integral. Aprendemos a atender o paciente de forma humanizada, sem olhá-lo como mercadoria”, conta.
No ano seguinte, Noranei buscou, sem sucesso, revalidar o diploma na UFMG, na Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT) e pelo Revalida. “Na época, eu trabalhava, não pude me preparar muito bem. Além disso, a prova da UFMT foi injusta, cobrou conhecimentos extremamente específicos. E a do Revalida foi muito extensa e cansativa”, lembra. Em 2012, Noranei prestou novamente os três processos e passou na primeira etapa da UFMG, mas não foi aprovada em uma das especialidades básicas, ginecologia/obstetrícia. Teve que cursar uma disciplina da graduação, em uma fase chamada de complementação. Agora, diz que apenas aguarda sua documentação ser analisada pela universidade.
Noranei quer se especializar em pediatria ou geriatria. E, depois de obter o registro no Conselho Regional de Medicina, pensa em se inscrever no programa federal Mais Médicos, que oferece bolsa de R$ 10 mil a profissionais que queiram trabalhar no interior e em periferias de grandes centros, na área de atenção básica. “Quero contribuir com a população brasileira”, diz. Ela não se intimida com a possibilidade de atuar em locais com pouca infraestrutura. “Em Cuba, aprendemos a fazer um bom exame físico e a interrogar bem o paciente. Há muita atenção para a prevenção e a promoção da saúde”, ressalta.