Jornal Estado de Minas

Dirigir usando telefone lidera ranking de infrações de trânsito em BH

Não basta só falar, tem que 'teclar': motoristas mandam mensagens, usam tablets, navegam na internet e ainda tentam dirigir. Infração gerou mais de 34 mil multas este ano na capital

Flávia Ayer
Em apenas 15 minutos, reportagem flagrou 13 motoristas mexendo nos seus smartphones em cruzamento da Rua Espírito Santo com Avenida Afonso Pena. Alguns nem viram que o semáforo abriu e pararam o trânsito - Foto: Gladyston Rodrigues/EM/DA Press


Cabeça baixa, olhos vidrados, desatenção e mãos fora do volante são os sintomas mais comuns do surto que tem atingido motoristas do mundo inteiroChamado por especialistas de epidemia do celular, o hábito de usar o aparelho ao dirigir se agravou com recursos tecnológicos incorporados ao telefone móvelO problema deixou de ser simplesmente falarEles também enviam mensagens, respondem a e-mails, navegam pela internetA epidemia representa risco a mais para o trânsito e tem difícil combate, já que o celular normalmente fica fora do campo de visão dos fiscais.


Nos últimos quatro anos, “dirigir veículo utilizando telefone celular” ocupa o primeiro lugar no ranking de infrações na capital mineira, mas são os dados da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) que sinalizam o potencial do problemaEm junho do ano passado, havia em Minas 4.648.943 linhas de telefonia celular que usavam a tecnologia 3G, que engloba internet banda larga, TV no celular, download de músicas e vídeos com mais rapidezUm ano depois, o número chegou a 6.117.498, um aumento de 31,5%.

Apenas neste ano, no período de janeiro a julho, a Guarda Municipal e a Polícia Militar (PM) já aplicaram juntas 34.611 multas por dirigir o veículo usando celularNo órgão de fiscalização municipal, a infração representa um quarto do total de multas aplicadasNa Polícia Militar, a infração também é a campeã do ranking, com 21.726 multasPara se ter uma ideia, o segundo lugar – estacionar em horário e local proibidos – tem 12.741 notificaçõesNo ano passado, a irregularidade também ocupou o primeiro lugar em fiscalização pela PM, com 54 mil autuações.

Quinze minutos no cruzamento da Rua Espírito Santo com a Avenida Afonso Pena, em frente à Igreja São José, no Centro de BH, são suficientes para constatar o quanto o vício de usar o smartphone ao volante está disseminado

Nesse intervalo, 13 motoristas foram vistos mexendo no aparelho, quase um por minuto – a maioria enviando mensagens ou simplesmente deslizando os dedos sobre as telas touchscreenEram homens e mulheres, entre eles taxistas consultando aplicativos para buscar passageirosOs motoristas estavam tanto em movimento quanto parados, mesmo quando o sinal já estava verde.

DOCUMENTÁRIO

Faltam estatísticas em Minas que relacionem o uso do aparelho com os acidentes de trânsitoNos Estados Unidos, o problema ficou tão grave que uma empresa de telefonia contratou o diretor Werner Herzog para fazer um documentário sobre o assuntoO filme From one second to the next (na tradução, De um segundo para o outro) será exibido nas escolas, com depoimentos de quem perdeu parentes em acidentes provocados por motoristas que mandavam mensagens do celular enquanto guiavamDe acordo com o curta, são 100 mil acidentes provocados todos os anos por esse motivo no país.

O coordenador de projetos educacionais da Associação Brasileira de Educação para o Trânsito (Abetran), o psicólogo Marccelo Pereyra, afirma que o uso do celular na direção é uma epidemia, agravada pelas novas tecnologias“Acredito ser mais grave que o álcool, pois o uso é mais abrangente e vem crescendo numa velocidade assustadoraO aparelho eletrônico desvia a atenção concentrada do motorista”, ressalta.

Segundo o especialista, o celular ao volante compromete mais de 50% da concentração do condutor“Só o fato de o celular tocar e o motorista desviar a atenção, é como se ele fechasse os olhos e percorresse 70 metros sem enxergarÉ nessa fração de milionésimos de segundo que todo o contexto da segurança no trânsito fica à mercê do telefone”, afirma Marccelo.

Vice-presidente da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet), o médico Guilherme Durães aponta que o envio de mensagens no trânsito pode ser ainda mais grave em relação às ligações

“Além de tirar a atenção do trânsito, você ainda tira a visãoUm segundo sem ver já pode causar um acidente”, explica o médico, que lamenta a ausência de dados específicos sobre o assunto“Não sabemos qual a relação das causas do acidente nesses casos, se foi o celular, o DVD ou uma série de eletrônicos que tiraram a atenção do motorista”, completa.

Para especialistas, usar o telefone ao volante compromete 50% da atenção - Foto: Gladyston Rodrigues/EM/DA PressFLAGRANTE A tecnologia ao volante tem sido um desafio à parte para a fiscalização, em especial o uso de smartphones conectados 24 horas à internetOs motoristas põem os aparelhos bem rente ao colo, dificultando o flagrante pelos agentes de trânsito“É difícil ver se os condutores estão manuseando celulares ou tabletsNão dá para detectar fácil”, reconhece o comandante do Batalhão de Trânsito da Polícia Militar (BPTran), tenente-coronel Roberto LemosMas, segundo ele, os infratores não ficam imunes às multas.

O comandante explica que o Código de Trânsito Brasileiro (CTB) tipifica a multa clássica do uso do celular como “dirigir usando fones de ouvidos conectados a aparelhagens sonoras ou telefone celular”Apesar disso, se não for identificado o aparelho, os fiscais podem enquadrar como dirigir sem atenção e cuidados indispensáveis à segurança no trânsito ou dirigir com uma das mãos“Usando eletrônicos parado ou em movimento, o motorista está contribuindo para aumentar o risco de acidentes”, alerta.

Enquanto isso...enquanto isso...
…Vendas de aparelhos disparam no mundo

Os smartphones representaram a maioria das vendas de celulares em todo o mundo pela primeira vez no trimestre abril a junhoA pesquisa, realizada pela empresa Gartner, mostrou que as vendas de smartphones totalizaram 225 milhões no segundo trimestre, ou seja, 51,8% de todos os celulares vendidos no períodoEsta é a primeira vez que as vendas excederam a de celulares tradicionais, que são mais básicos, sem acesso ou com acesso limitado à internet e aplicativos.

- Foto: Arte/Soraia Piva