Pouco a pouco, na calada da noite, caminhões carregados com resíduos da construção civil transformam as faixas de domínio das rodovias BR-040 e BR-356, entre Belo Horizonte e Itabirito, na Região Central, em grandes depósitos clandestinos de entulho. O descarte é crime ambiental e os responsáveis estão sujeitos a multa e prisão. Mas os criminosos se aproveitam da ineficiência da fiscalização e deixam as margens das rodovias perigosas, por causa do risco de acidentes e transtornos causados por enxurradas e poluição ambiental, principalmente porque o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), órgão que deveria limpar as vias, não faz remoção dos detritos.
Nos 32 quilômetros entre o Bairro Olhos D’água, no Barreiro, no limite com o Anel Rodoviário, e o entroncamento com a MG-825, que leva a Moeda, na Região Central, a reportagem do Estado de Minas contou 25 bota-foras, uma média de um a cada 1.280 metros. Os locais clandestinos aumentam sem repressão dos órgãos públicos. Segundo a Polícia Rodoviária Federal (PRF), entre janeiro de 2012 e julho foram lavrados apenas 24 autos em todas as rodovias federais mineiras por uso da via para deposito de mercadorias, materiais ou equipamentos. “Não há condições de impedir os depósitos clandestinos de entulho. Geralmente, os infratores aguardam o fim da noite e a madrugada. Esperam a viatura da área passar, despejam o entulho e vão embora”, conta o porta-voz da PRF, inspetor Aristides Amaral Júnior.
Os depósitos clandestinos ocupam faixas de domínio das rodovias federais, estradas vicinais escondidas pela vegetação, espaços em nível mais baixo do que a via e partes desativadas, que ainda têm funções de drenagem. Um dos pontos mais perigosos fica perto da entrada para São Sebastião das Águas Claras (Macacos), em Nova Lima. Há seis grandes amontoados de detritos de qualidade, como pedaços de pisos porcelanatos, fragmentos de rodapés de pedras, forros de gesso descartados e peças de isolamento sonoro, entre material tradicional como lajes de concreto e ferragens, tubulações e fiações. As pilhas foram formadas no meio de um declive e impedem que a água da chuva chegue ao sistema de drenagem da pista que foi soterrado ou segregado, o que pode agravar riscos de enxurradas. “É uma falta de responsabilidade fazer isso. São pessoas que precisar da estrada, a família delas vai passar por aqui”, disse o mecânico Roberto Pires, de 53 anos.
Entulho atrai lixo
Como as áreas que acumulam entulho por longos períodos ganham aspecto de abandono, acabam também concentrando bota-foras de lixo doméstico, móveis e até de produtos perigosos. Segundo o professor do departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Rafael Tobias, os depósitos irregulares de detritos trazem vários problemas. “Há o impacto visual. Se parte do material se desagregar, pode ir para o meio da pista e causar acidentes. As chuvas podem trazer enxurradas e assorear corpos d’água, como na Lagoa da Pampulha”, exemplifica.
A adição de outros tipos de lixo agrava ainda mais o problema. “Tintas e outros componentes químicos podem infiltrar no solo e prejudicar a qualidade da água de lençóis freáticos. O chorume, que é o líquido tóxico produzido pela decomposição de matéria orgânica, tem esse mesmo efeito”, alerta Tobias.
Para o especialista, o endurecimento das leis nas cidades da Grande BH levou os transportadores a procurar locais ermos e de pouca fiscalização, como as estradas. “O mercado está aquecido, mas nossas práticas construtivas geram muitos detritos. Para piorar, há desleixo de operários e responsáveis pelas obras quanto à destinação desse material”, afirma o professor.
A Prefeitura de Nova Lima informou que a fiscalização deve ser feita em parceria com a PRF e como a área do município é muito grande, as ações fiscais costumam se concentrar na área central. O Dnit foi procurado e não se manifestou sobre o descarte ilegal e falta de remoção do entulho.
O despejo de entulho às margens de rodovia ou espaço público é enquadrado na Lei dos Crimes Ambientes (9.605/1998). O artigo 54 define como crime “causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana ou provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora”. A lei é aplicada pela polícia rodoviária e estabelece pena de um a quatro anos de prisão e multa entre R$ 5 mil e R$ 50 milhões. Se o descarte ilegal ocorrer em Belo Horizonte, o responsável responde ainda por infração no âmbito do município e está sujeito a multa entre R$ 106 a R$ 4.037.