Jornal Estado de Minas

Médicos bolsistas vão para cidades sem estrutura

Médicos que atenderão na grande BH e interior terão de enfrentar alta demanda e falta de estrutura, pessoal, medicamentos e equipamentos, conforme o em constatou

Tiago de Holanda Simone Lima
  Contratada pelo programa Mais Médicos, Janine Oliveira escolheu Nova União, na Grande BH, mas trabalha sem aparelhos básicos. Ela faz atendimento manual porque faltam monitores que medem pressão arterial, frequência cardíaca e respiratória - Foto: Cristina Horta/EM/D.A.Press


Não vai ser fácil a vida de bolsistas do programa Mais Médicos que trabalharão em MinasMunicípios que vão recebê-los sofrem com diversos problemas: recursos escassos, falta de médicos e equipamentos, poucos especialistas, longa espera por atendimento, dificuldade para contratar profissionaisEssa é a realidade constatada pelo Estado de Minas em três das 47 cidades onde os 87 selecionados trabalharãoSão 71 diplomados no Brasil que devem começar a atuar em 2 de setembroOs 16 com registro profissional estrangeiro assumem seus postos no dia 16Muitos sabem que enfrentarão sérios problemas, mas esperam poder contorná-losOntem, começou em BH e outras sete capitais o curso de preparação dos profissionais com diplomas estrangeiros.

Itaúna, no Centro-Oeste do estado, com 85 mil habitantes, segundo o Censo 2010 do IBGE, tem curso de medicina oferecido há seis anos por universidade particular, mas faltam médicos na cidadeSão 16 unidades básicas de saúde, mas duas não contam com clínico geralUma das vagas será preenchida por Maria de Fátima da Silva Elói, cadastrada pelo programa federal“Esse posto está sem atendimento há oito meses e outra unidade sem médico há seis mesesO programa ampliou a possibilidade de assistência à população”, afirma a secretária municipal de Saúde, Ângela Gonçalves Amaral

Em fevereiro, as unidades receberam cinco bolsistas do Programa de Valorização da Atenção Básica, do Ministério da Saúde, semelhante ao Mais Médicos, que busca suprir a carência de profissionais no interior e periferias das grandes cidades.


Zilda Ferreira de Souza , de 70 anos, precisa da ajuda de funcionários do posto de saúde do Bairro Piedade, em Itaúna, que não tem clínico geral, para conseguir receita para remédios de uso diário - Foto: Nando Oliveira/EM/D.A.Press A falta de clínico geral no posto de saúde do Bairro Piedade é rotina para os moradoresA aposentada Zilda Ferreira de Souza, de 70 anos, conta com a ajuda de funcionários da unidade para conseguir a receita de medicamento de uso diário“Eles procuram o médico que conhece meu caso, pedem a receita e me entregam no dia seguinteTem de ser assimPara pegar direto com o médico, eu teria que ir a outro bairro”, conta.

A dificuldade para atrair profissionais para o município é grande, apesar da oferta de salário acima de R$ 10 milA costureira Maria Ângela Rodrigues, de 56 anos, precisa ir toda semana a BH, a 80 quilômetros de distância, para fazer tratamento oftalmológico, já que a especialidade não existe na cidade“Nossa vida fica cada vez mais complicadaTer de ir a BH toda semana é muito cansativo”, queixa-se.

Com o filho Moisés, de 3 meses, nos braços, a dona de casa Vânia Barbosa da Silva, de 39, teve de sair do Bairro Parque Jardim, onde mora, para encontrar um pediatra no Posto de Saúde Central“Só podemos contar com o posto do meu bairro se for para injeção ou algo assimPara consultar, não tem médico”, reclama.

Inaugurada em 2006, a unidade de terapia intensiva (UTI) neonatal do Hospital Manoel Gonçalves nunca funcionou

A grande maioria dos equipamentos e máquinas, adquiridos por quase R$ 500 mil, está paradaPoucos objetos foram transferidos para outros setores da instituição, mas os que não podem ser adaptados ao uso em adultos estão guardados, recebendo manutenção preventiva“Os oito leitos inativos poderiam atender pacientes de todo o estadoHá crianças prematuras que precisam de internação e, à espera de vagas, correm risco de morrer”, alerta o pediatra Luiz Maurício Gonçalves e Silva, funcionário do hospital.

O prédio onde a UTI seria implantada foi construído pela Universidade de Itaúna, particular, e foi equipado com recursos do governo estadual, por meio do programa Viva VidaA direção do hospital alega não poder arcar com os custos do funcionamento do setorA Secretaria de Saúde afirma que a prefeitura também não tem como bancar o serviço.

Contratada pelo programa federal, Maria de Fátima, de 57 anos, nasceu em São Gonçalo do Pará, no Centro-OesteFormou-se em 1980 pela Universidade Federal de UberabaMora em BH há cerca de 20 anos e se aposentou há dois, como médica do trabalho do Ministério do TrabalhoTambém tem especialidade em clínica geral“O programa é uma oportunidade de voltar à atividade e aproveitar ainda alguns anos pela frente”, dizAntes mesmo de aderir ao programa federal, Maria de Fátima havia visitado Itaúna“É uma cidade boa, perto de BH, mas menor, com mais qualidade de vidaMudar será bom”, diz ela, que vai morar com o marido

As prefeituras são obrigadas a auxiliar os bolsistas a obter moradia, oferecendo dinheiro ou imóvel“Optei pela ajuda pecuniária, para escolher o apartamento de que eu gostar”A médica sabe que encontrará problemas de estrutura na unidade onde trabalhará“É um posto simples, pequenoO pessoal é muito carente de atenção básicaA secretária me disse que tentará conseguir os equipamentos que faltarem”.

Consulta sem aparelhos


Nova União, na Grande BH, tem nove unidades básicas com apenas dois médicos de saúde da famíliaNo começo do ano, ficou só um, depois de um profissional se transferir para outra cidade para ganhar um salário maior“Demoramos cinco meses para contratar outro”, conta a secretária de Saúde, Danielly Aparecida de JesusEm junho, o município aumentou o salário dos médicos generalistas de R$ 9 mil para R$ 12 mil, mas mesmo assim é difícil atrair doutores.

A cidade fica a 60 quilômetros de BH, mas está ligada à capital pela BR-381, uma das rodovias mais perigosas do estado“No começo do ano, tentei admitir um pediatraAlguns acharam a proposta interessante, mas não queriam pegar essa estrada todo diaDemorei quatro meses para conseguir contratar um”, lembra a secretáriaHoje, além dessa especialidade, Nova União tem um psiquiatra, um urologista e um ginecologistaPacientes que precisam de atendimento de média complexidade são encaminhados para Caeté e os de alta, para BH“A procura por oftalmologista é muito grande, mas não temos dinheiro para bancar o serviço”, diz.

A bolsista do Mais Médicos Janine Gonçalves de Oliveira, de 28 anos, vai compor uma terceira equipe de saúde da famíliaFormou-se em junho pela Universidade Estadual de Montes Claros, sua cidade natal, no Norte do estado, e no mesmo mês se mudou para BHHá duas semanas passou a trabalhar em Nova União como generalistaGostou da cidade e a indicou como primeira opção de destino, entre as seis exigidas pelo Ministério da Saúde aos inscritos no programa“A cidade é acolhedora, tranquila, posso andar na rua às 10 da noite sem receio”, diz JanineApesar de considerar os profissionais bem treinados, ela esbarrou na falta de equipamentos, como monitores que medem pressão arterial, frequências cardíaca e respiratóriaO município também carece de respirador“Se alguém aparece com insuficiência respiratória, temos que fazer atendimento manual até chegar a Caeté”, afirmaFaltam medicamentos também, principalmente para emergências cardíacas.

Só uma vez por mês

Itaguara, na Grande BH, tem quatro equipes de saúde da família, com três unidades básicasUma das turmas atende pacientes em 19 distritos da zona rural“É uma área muito extensaO médico não consegue voltar mais de uma vez por mês ao mesmo local”, reconhece o secretário de Saúde, Edvar Aparecido Mamede AlvesEm maio, um generalista foi trabalhar na rede particular, e as equipes foram reduzidas para três“Só consegui contratar outro em agosto, apesar do salário de R$ 10,3 mil”, relata.

No centro de especialidades, há um pediatra e três ginecologistas, mas eles só atendem três dias por semana“Precisamos de mais um pediatra, mas não conseguimos bancar”, lamenta AlvesPacientes que precisam de cardiologista são levados para Betim e de ortopedista vão para Itaúna, mas só em situação de urgênciaNos outros casos, é preciso enfrentar a perigosa BR-381 até BH, a 97 quilômetros“Na capital, para essa especialidade, temos uma quota de três vagas a cada 60 diasNão posso mandar além dissoA fila demora muitoÀs vezes, a pessoa não quer esperar e entra na Justiça para o município pagar atendimento particular”, acrescenta.

A quinta equipe de saúde da família de Itaguara será criada com a chegada do bolsista do Mais Médicos Dirceu Carneiro de Faria Saldado, de 56, que ficará encarregado de visitar pacientes na zona ruralEle se diplomou em 1980, na antiga Escola de Ciência Médicas de Volta Redonda (RJ), onde nasceuTrabalha como clínico geral em Cana Verde e Lavras, onde também faz plantões no pronto-socorroTambém é especializado em medicina do trabalhoA bolsa de R$ 10 mil paga pelo programa o estimulou“Sempre atuei na rede pública e meus salários foram inferiores a esse valor, que é condizente com o serviço médico”, afirma.

Dirceu não conhece Itaguara“Sei que tem um hospital, a Santa Casa de Misericórdia, mas não sei em que condiçõesNão tenho medo de enfrentar qualquer situaçãoEstou preparado para fazer o que for possível, tentar aprimorar, sugerir e cobrar melhorias”, dizEle acredita que o Mais Médicos ajudar a desenvolver a infraestrutura da rede pública“Os investimentos em saúde sempre foram menores que o necessárioAo mandar profissionais para municípios carentes, esse programa exige serviços de laboratório, de raio X, toda uma estruturaO programa acelera as melhorias”