Não vai ser fácil a vida de bolsistas do programa Mais Médicos que trabalharão em Minas. Municípios que vão recebê-los sofrem com diversos problemas: recursos escassos, falta de médicos e equipamentos, poucos especialistas, longa espera por atendimento, dificuldade para contratar profissionais. Essa é a realidade constatada pelo Estado de Minas em três das 47 cidades onde os 87 selecionados trabalharão. São 71 diplomados no Brasil que devem começar a atuar em 2 de setembro. Os 16 com registro profissional estrangeiro assumem seus postos no dia 16. Muitos sabem que enfrentarão sérios problemas, mas esperam poder contorná-los. Ontem, começou em BH e outras sete capitais o curso de preparação dos profissionais com diplomas estrangeiros.
A dificuldade para atrair profissionais para o município é grande, apesar da oferta de salário acima de R$ 10 mil. A costureira Maria Ângela Rodrigues, de 56 anos, precisa ir toda semana a BH, a 80 quilômetros de distância, para fazer tratamento oftalmológico, já que a especialidade não existe na cidade. “Nossa vida fica cada vez mais complicada. Ter de ir a BH toda semana é muito cansativo”, queixa-se.
Com o filho Moisés, de 3 meses, nos braços, a dona de casa Vânia Barbosa da Silva, de 39, teve de sair do Bairro Parque Jardim, onde mora, para encontrar um pediatra no Posto de Saúde Central. “Só podemos contar com o posto do meu bairro se for para injeção ou algo assim. Para consultar, não tem médico”, reclama.
Inaugurada em 2006, a unidade de terapia intensiva (UTI) neonatal do Hospital Manoel Gonçalves nunca funcionou. A grande maioria dos equipamentos e máquinas, adquiridos por quase R$ 500 mil, está parada. Poucos objetos foram transferidos para outros setores da instituição, mas os que não podem ser adaptados ao uso em adultos estão guardados, recebendo manutenção preventiva. “Os oito leitos inativos poderiam atender pacientes de todo o estado. Há crianças prematuras que precisam de internação e, à espera de vagas, correm risco de morrer”, alerta o pediatra Luiz Maurício Gonçalves e Silva, funcionário do hospital.
O prédio onde a UTI seria implantada foi construído pela Universidade de Itaúna, particular, e foi equipado com recursos do governo estadual, por meio do programa Viva Vida. A direção do hospital alega não poder arcar com os custos do funcionamento do setor. A Secretaria de Saúde afirma que a prefeitura também não tem como bancar o serviço.
Contratada pelo programa federal, Maria de Fátima, de 57 anos, nasceu em São Gonçalo do Pará, no Centro-Oeste. Formou-se em 1980 pela Universidade Federal de Uberaba. Mora em BH há cerca de 20 anos e se aposentou há dois, como médica do trabalho do Ministério do Trabalho. Também tem especialidade em clínica geral. “O programa é uma oportunidade de voltar à atividade e aproveitar ainda alguns anos pela frente”, diz. Antes mesmo de aderir ao programa federal, Maria de Fátima havia visitado Itaúna. “É uma cidade boa, perto de BH, mas menor, com mais qualidade de vida. Mudar será bom”, diz ela, que vai morar com o marido.
As prefeituras são obrigadas a auxiliar os bolsistas a obter moradia, oferecendo dinheiro ou imóvel. “Optei pela ajuda pecuniária, para escolher o apartamento de que eu gostar”. A médica sabe que encontrará problemas de estrutura na unidade onde trabalhará. “É um posto simples, pequeno. O pessoal é muito carente de atenção básica. A secretária me disse que tentará conseguir os equipamentos que faltarem”.
Consulta sem aparelhos
Nova União, na Grande BH, tem nove unidades básicas com apenas dois médicos de saúde da família. No começo do ano, ficou só um, depois de um profissional se transferir para outra cidade para ganhar um salário maior. “Demoramos cinco meses para contratar outro”, conta a secretária de Saúde, Danielly Aparecida de Jesus. Em junho, o município aumentou o salário dos médicos generalistas de R$ 9 mil para R$ 12 mil, mas mesmo assim é difícil atrair doutores.
A cidade fica a 60 quilômetros de BH, mas está ligada à capital pela BR-381, uma das rodovias mais perigosas do estado. “No começo do ano, tentei admitir um pediatra. Alguns acharam a proposta interessante, mas não queriam pegar essa estrada todo dia. Demorei quatro meses para conseguir contratar um”, lembra a secretária. Hoje, além dessa especialidade, Nova União tem um psiquiatra, um urologista e um ginecologista. Pacientes que precisam de atendimento de média complexidade são encaminhados para Caeté e os de alta, para BH. “A procura por oftalmologista é muito grande, mas não temos dinheiro para bancar o serviço”, diz.
A bolsista do Mais Médicos Janine Gonçalves de Oliveira, de 28 anos, vai compor uma terceira equipe de saúde da família. Formou-se em junho pela Universidade Estadual de Montes Claros, sua cidade natal, no Norte do estado, e no mesmo mês se mudou para BH. Há duas semanas passou a trabalhar em Nova União como generalista. Gostou da cidade e a indicou como primeira opção de destino, entre as seis exigidas pelo Ministério da Saúde aos inscritos no programa. “A cidade é acolhedora, tranquila, posso andar na rua às 10 da noite sem receio”, diz Janine. Apesar de considerar os profissionais bem treinados, ela esbarrou na falta de equipamentos, como monitores que medem pressão arterial, frequências cardíaca e respiratória. O município também carece de respirador. “Se alguém aparece com insuficiência respiratória, temos que fazer atendimento manual até chegar a Caeté”, afirma. Faltam medicamentos também, principalmente para emergências cardíacas.
Só uma vez por mês
Itaguara, na Grande BH, tem quatro equipes de saúde da família, com três unidades básicas. Uma das turmas atende pacientes em 19 distritos da zona rural. “É uma área muito extensa. O médico não consegue voltar mais de uma vez por mês ao mesmo local”, reconhece o secretário de Saúde, Edvar Aparecido Mamede Alves. Em maio, um generalista foi trabalhar na rede particular, e as equipes foram reduzidas para três. “Só consegui contratar outro em agosto, apesar do salário de R$ 10,3 mil”, relata.
No centro de especialidades, há um pediatra e três ginecologistas, mas eles só atendem três dias por semana. “Precisamos de mais um pediatra, mas não conseguimos bancar”, lamenta Alves. Pacientes que precisam de cardiologista são levados para Betim e de ortopedista vão para Itaúna, mas só em situação de urgência. Nos outros casos, é preciso enfrentar a perigosa BR-381 até BH, a 97 quilômetros. “Na capital, para essa especialidade, temos uma quota de três vagas a cada 60 dias. Não posso mandar além disso. A fila demora muito. Às vezes, a pessoa não quer esperar e entra na Justiça para o município pagar atendimento particular”, acrescenta.
A quinta equipe de saúde da família de Itaguara será criada com a chegada do bolsista do Mais Médicos Dirceu Carneiro de Faria Saldado, de 56, que ficará encarregado de visitar pacientes na zona rural. Ele se diplomou em 1980, na antiga Escola de Ciência Médicas de Volta Redonda (RJ), onde nasceu. Trabalha como clínico geral em Cana Verde e Lavras, onde também faz plantões no pronto-socorro. Também é especializado em medicina do trabalho. A bolsa de R$ 10 mil paga pelo programa o estimulou. “Sempre atuei na rede pública e meus salários foram inferiores a esse valor, que é condizente com o serviço médico”, afirma.
Dirceu não conhece Itaguara. “Sei que tem um hospital, a Santa Casa de Misericórdia, mas não sei em que condições. Não tenho medo de enfrentar qualquer situação. Estou preparado para fazer o que for possível, tentar aprimorar, sugerir e cobrar melhorias”, diz. Ele acredita que o Mais Médicos ajudar a desenvolver a infraestrutura da rede pública. “Os investimentos em saúde sempre foram menores que o necessário. Ao mandar profissionais para municípios carentes, esse programa exige serviços de laboratório, de raio X, toda uma estrutura. O programa acelera as melhorias”