Cláudia Toledo são duas. Uma delas, atriz, casada com um médico cardiovascular e mãe de uma menina, tem uma vida normal como qualquer outra dona de casa e profissional. A outra, um tanto diferente, não nas emoções, mas nas ações e nas vestes marca presença todas as sextas-feiras no Hospital Maria Ambrosina ou Hospital da Baleia, uma das unidades da Fundação Benjamim Guimarães, no Bairro Saudade, Região Leste de Belo Horizonte. Cláudia se transforma na Doutora Cacau, para alegria dos internos idosos e dos pacientes que se submetem a cansativas quatro horas de hemodiálise.
Cara pintada, bermudas e meias listradas, nariz de palhaço e jaleco branco com um monograma bordado na altura do peito: besteiróloga, ela ultrapassa a porta do hospital. A figura tipicamente circense já é suficiente para arrancar um sorriso de Maria Raimundo Nascimento, de 78 anos, que, na cadeira de rodas, espera na fila da hemodiálise. “Eu me sinto melhor com a Doutora Cacau, o coração enche de alegria.” De passo em passo, ninguém fica sem um afago ou sem comentário divertido, animador. E Cláudia conhece todos, nominalmente. E lembra até de brincadeiras de outras visitas.
Por que um trabalho só com idoso? “Antes de começar, vi que a terapia do riso era voltada quase que exclusivamente para crianças. Fiz uma visita ao Baleia e gostei tanto que propus um trabalho com idosos em estado terminal e pacientes de hemodiálise. Quando vi o retorno, a cada visita, fiquei ainda mais animada. Estava mudando, para os pacientes, o ambiente hospitalar.” E não é um trabalho simples, de minutos. Só na ala de hemodiálise são 44 pessoas por sessão e Doutora Cacau faz pilhérias com cada uma. E não dispensa o toque: uma cosquinha nos pés, um afago no rosto.
“Vejo que muitas vezes é mais importante tocar. A mão que toca cura, porque leva carícia, devolve a confiança e manifesta cuidado. A mão faz renascer a essência humana naqueles que são tocados.” O motorista Washington Souza, de 39, já ligado à máquina de hemodiálise, aparelho que conhece há seis anos, olha admirado para aquela mulher pequena, ágil e fantasiada. “A Doutora Cacau só traz alegrias. Resgata em nós a vontade de viver. Dispensa mais comentários.”
Piedade Ferreira de Oliveira, de 74, tenta encolher os pés sob a coberta ao ver a intenção da figura colorida que se aproxima, animada ao som de uma música de Roberto Carlos. Mas não consegue escapar da cócegas. Fica tão feliz com as brincadeiras e as piadas inocentes da Doutora Cacau que até exagera nos elogios: “Se a pessoa estiver morrendo, se levanta logo que ela chega. Que Deus a proteja sempre”. E lá vai Cacau, música ligada, de paciente em paciente. De repente, para.
“É que agora vamos jogar bingo.” E distribui as cartelas com os números aos pacientes dispostos a participar da brincadeira. “Hoje vamos sortear um ônibus e um relógio.” Tira da sacola um ônibus de papelão e um relógio de parede verdadeiro. Nem as enfermeiras e atendentes escapam da descontração de Cacau, principalmente quando ela resolve acompanhar com a voz e movimento uma das canções reproduzidas pelo USB. Onde havia silêncio, há movimento. Onde havia tristeza, há esperança.
A belo-horizontina Cláudia Toledo faz esse trabalho, que chega a afastá-la dos palcos, por diletantismo, como voluntária. E se preciso até ajuda os internos idosos. “Às vezes, alguém precisa de um sabonete, um creme dental ou outra coisa. Então, levo. Eles pensam que faço bem a eles, mas são eles que me fazem bem.” A sessão de alegria na ala de hemodiálise, recheada de frases engraçadas, música e até dança, continua e só para quando a última máquina é desligada. E não se esqueçam, senhores mestres das artes cênicas, Cláudia é atriz.
Serviço
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