Ouro Preto – O sino da Basílica de Nossa Senhora do Pilar vai tocar nesta segunda-feira, ao meio-dia, mantendo a tradição iniciada em 2 de setembro de 1973Não será um som de alegria, mas fúnebre, sinal de perdaNesta segunda-feira, faz 40 anos que ladrões, de madrugada, levaram 17 peças sacras do museu localizado no subsolo da igreja, considerada um dos monumentos mais importantes do paísEntre os objetos furtados havia uma coleção formada por custódia e três cálices de prata folheados a ouro, de origem portuguesa, usados no Triunfo Eucarístico, em 1733, a maior festa religiosa do Brasil colonialPassado tanto tempo, não há, até hoje, uma única pista do patrimônio, avaliado na época em 6 milhões de cruzeiros (hoje, algo em torno de R$ 16 milhões) ou condenação dos verdadeiros culpados, embora o Ministério Público de Minas Gerais continue na busca“Não perdemos a esperança de recuperar nosso acervo, de valor espiritual e artístico inestimávelEsta história é cheia de mistérios e silêncios”, diz o diretor do Museu de Arte Sacra do Pilar, o historiador Carlos José Aparecido de Oliveira.
Muitos dos personagens-chave – o pároco José Feliciano da Costa Simões, os zeladores do templo na época, os acusados do furto e outros – morreram, mas parentes e moradores não se esquecem dos dias de pesadeloO inquérito ficou desaparecido por 13 anos, sumiu o boletim de ocorrência, enfim, documentos fundamentais para esclarecimento saíram de cenaNo auge da ditadura militar, policiais tomaram conta da cidade e três delegados apuravam o caso, enquanto agentes do Departamento de Ordem Política e Social (Dops) faziam interrogatóriosNas ruas, o imaginário popular criava versões diversas sobre a invasão do Pilar
Padre Simões (1931–2009) foi um dos alvos de interrogatórios
Sempre debruçado sobre documentos, Carlos José guarda um recorte de jornal de 1978 relatando temas proibidos pelo regime militarEntre eles está o seguinte artigo: “Fica proibido toda e qualquer notícia sobre o roubo de Ouro Preto”Ao ver a página amarelada por quase quatro décadas, o diretor se pergunta: “Por que tanto mistério?”.
O certo é que o responsável pelo furto sabia o que estava procurando“Eles foram direto ao museu, passaram por várias imagens da igreja e não levaram nenhumaQueriam as coroas de Nossa Senhora do Pilar e do Menino Jesus, de ouro maciço e pedras preciosas – feitas, em Mariana, havia 10 anos, para celebrar a nomeação da imagem como padroeira pontifícia pelo papa João XXIII – e as peças usadas na festa do Triunfo Eucarístico
Prisões
A reconstituição do crime mostrou que os bandidos se esconderam num depósito fechado e protegido, na época, por uma cortinaQuando tudo se acalmou, saíramCarlos José mostra uma porta pesada de acesso à sacristia e aberta sem problemasNa sequência, encontraram outra, arrombada com chutes e ferramentas por estar trancada por dentro, e desceram as escadas em direção ao museuSerraram duas barras de ferro da grade, com espaço para passagem de um corpoNa vitrine com as peças, colaram tiras de esparadrapo para, com diamante, riscar e retirar o vidro sem quebrá-lo
A fim de não perder tempo, os bandidos arrombaram uma pequena porta e entraram na vitrine maior, depois nas menoresFizeram então o caminho inverso e saíram pela porta da frente da igreja, que teve a fechadura antiga violada
O que foi levado
Três cálices em prata dourada e com pedestais folheados a ouro
Urna barroca, em tríplice dispositivo, com frisos simétricos, lisos em rica filigranem mourisca.
Chave grande do sacrário principal da igreja matriz
Par de brincos de Nossa Senhora das Dores e pequenas joias e pedras semipreciosas
Escapulário com corrente de ouro, pertencente a Nossa Senhora das Dores
Pena folheada a ouro com incrustações, usada por dom Pedro II (1825-1891) em Ouro Preto
Cruz de Malta com rubis e brilhantesInício do século 18
Coroa de Nossa Senhora do Pilar, em ouro, com 12 tipos de zircônio que destacam seis brilhantes
Coroa do Menino Jesus de Nossa Senhora do Pilar, em ouro e seis pedras preciosas, de lapidação retangular
Fonte: Inquérito policial