A ideia de tocar o sino da matriz todo dia 2 setembro partiu do padre Simões – era uma forma de cobrar uma atitude das autoridades. “Mantemos a tradição”, afirma o diretor de Arte Sacra de Ouro Preto, Carlos José Aparecido de Oliveira. Incansável na sua luta, o pároco sempre teve esperança de rever o acervo, enquanto distribuía cartas abertas à população. Numa delas, em 1990, escreveu: “Pessoas altamente qualificadas em roubar ficaram, durante a noite, na Matriz do Pilar de Ouro Preto. Realizaram a repugnante profanação, tirando peças preciosíssimas (…), ferindo nossa fé cristã e machucando a consciência cultural de Ouro Preto, das Minas Gerais e do Brasil. Vilipendiaram o sacrossanto e arrancaram as raízes históricas de uma comunidade”.
Natural de Ouro Preto e residindo atualmente entre essa cidade e o Rio de Janeiro (RJ), a jornalista Laura Godoy, de 33 anos, ainda não tinha nascido quando tudo ocorreu, mas sente o mesmo pesar da população. Autora de uma monografia sobre o fato, Laura entrevistou padre Simões e lembra bem a certeza dele de que o roubo fora encomendado e “envolvia pessoas graúdas”. Ele era tão incomodado com essa história, acrescenta Laura, que, quando podia, visitava antiquários em São Paulo e se fazia passar por comprador, na tentativa de reencontrar alguns dos objetos. Conforme matéria publicada pelo Estado de Minas em 2 de setembro de 1979, padre Simões confessou: “Muita gente sofreu durante as investigações, inclusive eu. Um rapaz esteve mais de uma semana preso no Dops, em Belo Horizonte, sofrendo horrores para confessar”.
O artista plástico Luiz Antônio Rodrigues morava ao lado do Pilar, como ocorre até hoje, e atuava como guia na igreja. “Foram dias com muitos policiais nas ruas, mal-encarados, que enxergavam todos como suspeitos. Queriam pegar um bode expiatório”, conta. Num daqueles dias, ele foi “convidado” para tomar um café com o padre Simões e viu militares com baionetas. “Na minha inocência, fiquei até fã dos policiais, pois tudo parecia um filme. E eu só tinha visto isso no cinema.” De repente, ele fica bem sério e fala sobre padre Simões. “Ele apanhou, levou uns bons tapas. Envelheceu com esta história”.
Na porta da casa de Alice Ribas, de 99, próxima à Basílica do Pilar – a igreja recebeu esse título no ano passado, por decreto do papa Bento XVI –, há uma fotografia do templo que ela frequenta a vida inteira. Com a voz baixinha e protegida pelo cachecol branco de lã, Alice diz que se lembra daquele dia, quando chegou bem cedo para a missa das 7h. Viu a igreja toda aberta. O padre já estava a postos. “Eu me lembro…”, murmura. E quando perguntada se foi procurada pela polícia, ela arregala os olhos e responde: “Polícia? Não…”, e, imediatamente, volta para um mundo bem particular.
Olhando a fachada da igreja, Carlos José lamenta. “Naquele tempo, as igrejas não tinham segurança nem se fazia o registro fotográfico do acervo”. Uma testemunha que poderia ajudar levou para o túmulo um segredo que poderia pôr fim ao caso. Ela teria visto um veículo Variant branco e pessoas dentro do templo, mas achou melhor ficar calada e não depor na polícia. Se anotou a placa, ninguém sabe.