Saias de palha, cocares e pinturas pelo rosto e corpo. Sem beca ou capelo, sob os olhares atentos e orgulhosos de parentes e amigos, a primeira turma de licenciatura em ciências sociais e humanidades, curso superior da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) voltado para os povos indígenas, se formou ontem. Eles receberam o diploma de lideranças e especialistas em causas indígenas e vão atuar como professores em suas tribos.
Vinte e cinco homens e mulheres, das etnias pataxó e xakriabá, colaram grau no auditório da Faculdade de Engenharia. Antes, iniciaram um ritual na na entrada do prédio da Faculdade de Educação, onde foi fixado um mastro como ponto de referência e encontro. Apenas cinco dos que iniciaram o curso em 2009 não deram continuidade. Eles fizeram vestibular específico quando a UFMG inicioun o programa Formação Intercultural de Educadores Indígenas (Fiei).
Donizete Barbosa de Souza, de 28 anos, xakriabá do Norte de Minas, considera o momento em que viveu com os colegas uma vitória para os direitos indígenas. “Significa união e é isso que passo para os alunos. Precisamos ser unidos para buscar mais saúde, educação, moradia.” Em sala de aula na aldeia, faz questão de passar aos alunos um saber maior sobre o mundo. “Faço uma relação entre a universidade e a escola”, afirmou.
Além de ter se tornado professor ontem, Donizete é técnico em saúde bucal formado pela Escola de Saúde Pública de Minas Gerais e atua em consultório na aldeia. Agora, já cursa gestão em saúde pela Universidade do Mato Grosso, a distância.Com o filho Txayhênawê, de 3, ao lado, Vanuzia Bonfim Vieira, de 26, pataxó, estava orgulhosa da sua dedicação nos quatro anos de curso. “Sempre esperamos por este momento, é mais uma vitória para os povos indígenas”, disse. Ela quer mais conhecimentos. E já planeja fazer um curso de pós-graduação em história indígena. A mãe e a tia vieram da aldeia na Bahia. Ela dá aulas há quatro anos no ensino fundamental e médio, de história geral. Um do seus objetivos é fortalecer a história dos povos indígenas.
DEDICAÇÃO Há quatro meses, Célia Nunes Xakriabá, de 24, entrou na sala de aula para ensinar. Ela é professora de cultura para alunos de 5ª a 8ª série na aldeia. Antes, se dedicava ao movimento pelos direitos aos índios e fez parte da Comissão da Juventude Indígena e das Mulheres Indígenas de Minas Gerais e Espírito Santo. Nas discussões, busca políticas afirmativas e a luta territorial. “Estamos consquistando nosso espaço. Agora, quero dar continuidade aos estudos”, disse Célia planeja ingressar no mestrado de gestão territorial da Universidade de Brasília (UNB). Para ela, o desafio na educação indígena é abrir as portas dos cursos de direito. “É um curso essencial, importante par lutarmos pelos nossos direitos”, afirmou.
Entre os nove pataxós, duas formandas são mulheres. Na etnia xakriabá, elas foram maioria: 11 mulheres e três homens. Outras duas pessoas, não indígenas, se formaram. Além do curso de ciências sociais e humanidades, a UFMG oferece as licenciaturas em ciências da vida e natureza, matemática e línguas, artes e literaturas, hoje com 140 alunos.
A diretora da Faculdade de Educação, Samira Zaidan, explicou que o curso formou professores para aldeias onde havia escolas sem educadores. Quem dava aulas para as crianças geralmente não era da tribo. A carga horária, segundo ela, se dividiu entre aulas na UFMG e nos locais de origem. “É um currículo intercultural que mescla a cultura deles e os conhecimentos do brancos”, afirmou.
Os professores acadêmicos são profissionais que já estudavam a cultura e a língua indígena e muito de cada disciplina foi sendo arquitetado ao longo dos quatro anos com os mais velhos de cada etnia. Atualmente, a UFMG abriga ainda nos cursos da Fiei as etnias tupiniquins, maxakalis, pankararus, guaranis e tuxás.