Jornal Estado de Minas

Seca se espalha também no Noroeste de Minas

Viajando 3 mil quilômetros entre nascentes secas, rios sugados pela terra, cidades com água racionada e cerrado dizimado, EM mostra como a desertificação impulsionada pela exploração sem critérios engoliu terras antes tidas como férteis no Noroeste de Minas

Mateus Parreiras
Antônio Alves Lopes, morador da zona rural de Arinos, recolhe agua barrenta de um poço perto de sua casa para ser bebida e fazer sua alimentação e da família - Foto: Beto Novaes/EM/D.A Press

Arinos, Bonfinópolis de Minas, Buritis, Dom Bosco, Formoso e Urucuia – Do chão alaranjado e duro não brota mais nem matoO que desponta do solo – restos de troncos retorcidos e podres, que lembram lápides em um cemitério árido – são os últimos vestígios da mata de cerradoAs chuvas, que irrigavam a terra durante um período de seis meses no passado, já não gotejam por mais do que quatro mesesNascentes morreram, córregos se tornaram intermitentes e a escassez de água seguiu seu curso atingindo os meios rural e urbanoMas o cenário não fica no semiárido Norte de Minas, onde a seca já é parte da vida do sertanejoPor incrível que pareça, o terreno estéril pertence ao Noroeste, região ainda considerada um dos celeiros do estado, por ser a maior produtora de grãos de MinasA área desolada descrita acima, em Buritis, a 750 quilômetros da capital mineira, é apenas uma amostra dos 180 mil hectares de terras que já foram férteis, mas que, de acordo com especialistas, por causa de mudanças climáticas e do manejo não sustentável, entraram em processo de desertificação, espalhando a mancha da sede pelo mapa mineiroÉ como se uma área equivalente a cinco vezes e meia a extensão de Belo Horizonte se tornasse incapaz de sustentar a vida.


Por uma semana, a equipe de reportagem do Estado de Minas percorreu cerca de 3 mil quilômetros, distância semelhante a uma viagem entre o Rio de Janeiro e Belém do Pará, para mostrar como o Noroeste mineiro vem se transformando em nova fronteira da sedeA escassez de água e a desertificação têm caminhado juntas entre os 19 municípios da regiãoEnxotados pela aridez, produtores vivem o drama de ter de abandonar terras degradadas, enquanto cidades inteiras sofrem com o racionamento de água, o gado morre, nascentes secam, cursos d’água são sugados pela terra sedenta e o cerrado vai ganhando aspecto de semiárido.

Pelo mapeamento por imagens de satélite no computador, o coordenador do Comitê de Bacias Hidrográficas (CBH) do Rio Urucuia, Julio Ayala, aponta a expansão de terrenos arenosos, pedregosos e estéreis em áreas onde há décadas se destacavam grandes polígonos verdes de monoculturas como soja, milho e feijão“Dentro da Bacia do Rio Urucuia temos 600 mil hectares nos quais a produção não é sustentável e degrada o solo com o tempo

Desses, pelo menos 30% (180 mil hectares) já sofrem algum estágio de desertificação”, atesta Ayala, engenheiro-agrônomo e consultor do comitê que propõe e fiscaliza as políticas hídricas em um dos dois rios mais importantes da região – o outro é o Rio Paracatu.

Segundo o professor de geografia física da USP José Bueno Conti, que tem livre-docência em desertificação em áreas tropicais, o Noroeste de Minas está na periferia do semiárido e é uma região classificada como subúmidaEsses dois tipos de clima são os mais propensos à desertificação“Verificamos naquela região um período de estiagem estendido e severoQuando há prolongamento da seca por dois ou três anos, como vem ocorrendo, os sistemas hidrológicos e geológicos (solos) e todo o ecossistema podem entrar em colapso e desencadear o processo de desertificação”, explica.

Mais grave do que na área da sudene

Entre 2003 e 2011, a média de decretos de estado de emergência devido à estiagem no Noroeste de Minas era de três por anoNo ano passado a quantidade mais que dobrou, chegando a seteDe acordo com a Agência Nacional das Águas (ANA), 68,4% das cidades do Noroeste precisarão ampliar seus sistemas de captação de água até 2015 ou enfrentarão desabastecimentoO índice é pior do que o registrado pelos municípios da área mineira da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), 64,8% dos quais serão obrigados a aumentar a capacidade de produção hídrica nos próximos dois anos.

Apesar disso, como o Noroeste de Minas não se encontra na área formal do semiárido brasileiro, os municípios não têm acesso a incentivos garantidos às prefeituras integrantes da área da Sudene, nem aos projetos do Programa de Ação Nacional de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca (PAN) ou à sua versão estadual, o PAE/MG.

Mas engana-se quem pensa que o avanço da desertificação tem impactos apenas sobre esses municípiosAs consequências vão muito além“Esse processo tem impactos em sistemas mais abrangentes e complexos, como no assoreamento do Rio São Francisco”, alerta o coordenador do CBH do Rio Urucuia, Julio Ayala.

O Urucuia, junto com o Paracatu e o Rio das Velhas, compõe a lista dos principais afluentes do Velho ChicoQuando chove na área da bacia em processo de desertificação, a água corre diretamente para os cursos d’água, carreando detritos e assoreando os leitos
Se tivesse sido retida pela vegetação, a chuva penetraria lentamente no solo e recarregaria os lençóis freáticos ou aquíferosEsses reservatórios subterrâneos, quando cheios, liberam o conteúdo aos poucos, permitindo que córregos e ribeirões corram durante a seca e mantendo a região úmida e com evaporação diária“A água que não penetra no solo sai do sistemaNão forma mais chuvas naquela regiãoPor isso ocorre a seca, a diminuição dos meses de chuvas e da intensidade das precipitações”, aponta Ayala.

Veja imagens da Seca: