Francisco Sá, Montes Claros, São João da Lagoa e Verdelândia – O pequeno agricultor Valdionor Alves Moreira, de 63 anos, da localidade de Canabrava, em Francisco Sá, no Norte de Minas, sempre sofreu com as estiagens prolongadas que castigam a região. Mas além da "má vontade de São Pedro", lavouras perdidas, falta de pasto e dificuldade para conseguir água, Valdionor passou a conviver com outro problema: o desaparecimento completo da vegetação em áreas do terreno onde mora. Da sua casa, de onde se via uma paisagem carregada de plantas nativas. Hoje, é um morro limpo, com marcas de erosão. "Para mim isso é o fim dos tempos", lamenta.
O drama do pequeno produtor de Francisco Sá expõe um fenômeno que cada vez mais desperta a atenção das autoridades e dos ambientalistas: o início do processo de desertificação. Um problema que preocupa a Organização das Nações Unidas (ONU) desde 2010, uma vez que mais de um bilhão de pessoas estão com a subsistência ameaçada pela desertificação. Conter a ameaça é uma das metas da ONU, com a campanha "Década para os desertos e a luta contra a desertificação".
No caso do Norte de Minas, a preocupação é ainda maior pelo fato de a região fazer parte do semiárido brasileiro, que tende a sofrer mais com os efeitos das mudanças climáticas que já vem sendo observada há muito tempo. Estudos apontam que, além de Francisco Sá, foram verificados locais com processos mais intensos de devastação e sinais de desertificação, segundo especialistas, devido à seca, desmatamento, monocultura de eucalipto, retirada irregular de areia e outras formas de degradação ambiental.
"Existem áreas no Norte de Minas que estão propensas à desertificação, por conta do avançado processo de degradação", afirma o professor Expedito José Ferreira, do Departamento de Geociências da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes). Ele disse que estudos realizados pela instituição indicaram locais com riscos de desertificação, especialmente em Francisco Sá, Montalvânia, Monte Azul e Espinosa. O fenômeno também é verificado em Araçuaí e Itinga, no Vale do Jequitinhonha.
"Estamos com processo de degradação ambiental elevada em diversas áreas que levam para desertificação", observa Expedito José Ferreira, lembrando que o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) considera comprometidas pelo fenômeno "as regiões que se caracterizam pela perda do potencial biológico, em condições semelhantes aos desertos já conhecidos no mundo".
O especialista aponta como causas da degradação a erosão acelerada, desmatamento (principalmente de matas ciliares), poluição e assoreamento das nascentes e dos rios. "Quando se retira a cobertura vegetal, o solo fica mais exposto às intempéries. A cada ano, observamos o avanço desse processo com maior intensidade, o que demonstra a necessidade de maior atenção com medidas mitigadoras para conter a desertificação", avalia Ferreira.
REPLANTIO EM VÃO
Vizinho de Valdionor, o também agricultor José Rodrigues Fernandes Júnior convive com os "peladores" na propriedade de sua família, que tem 75 hectares. "Para mim, isso é conseqüência do desmatamento", afirma. "Há uma parte do nosso terreno onde já tentamos recuperar duas ou três vezes, arando a terra e plantando capim. Mas a gente planta e não nasce nada", reclama.
O processo de degradação e tendência de desertificação é verificado também em Espinosa, um dos municípios do Norte de Minas mais castigados pelas secas, situado na divisa com a Bahia. "O processo vem se intensificando cada vez mais em Espinosa, com o secamento de rios e córregos e formação de voçorocas (erosão), algumas delas com cinco metros de profundidade e 12 metros de largura", relata Marco Aurélio Tolentino, ex-secretário de Agricultura do município.
Em Espinosa e em Monte Azul as chuvas anuais diminuíram, fenômeno que a ONU/Pnud também considera como um fator preocupante das mudanças climáticas que representa riscos de desertificação. "Há registros de seca no município desde 1899. Mas a partir de 1975, a escassez de chuvas se intensificou. Existem algumas localidades do município onde o índice pluviométrico é de apenas 300 milímetros ou até 380 milímetros por ano. A produção de mantimentos caiu 70%", observa Marco Aurélio.
"De uns tempos para cá, as coisas foram arruinando. Chove muito pouco e rios e córregos secaram. A gente não consegue colher mais nada”, conta Laura Pereira da Silva, de 54 anos, moradora da localidade de Passagem das Canoas, a 110 quilômetros de Espinosa. Ela lembra que o Rio Verde Pequeno, que passa pelo lugar, corria caudaloso o ano inteiro e hoje está seco. “Aqui é chamado de Passagem das Canoas porque só era possível atravessar o rio de canoa. Hoje, praticamente, a gente nem vê direito o sinal de onde passava a água do rio", descreve a mulher.